segunda-feira, julho 24, 2006

O homem que queria ser escritor

Tinha começado a ler livros esritos por exilados: Ovídio, Nabokov, Brodsky, Rushdie, Kundera.
Escritas estranhas, doridas, separadas, mas não isentas de humor.
Lembrou-se do quanto tinha sonhado em ser escritor.
Sentou-se à mesa, puxou de um molho de folhas - folhas que vinham com as revistas de que era assinante, com o nome e a morada de um lado, brancas do outro - escrevia nelas como se as dirigisse a si próprio - e resolvendo ser metódico, tratou de elaborar uma lista dos obstáculos que o impediam de ser escritor.
Primeiro que tudo, uma imaginação pobre. A medida da sua pobreza revelava-se-lhe quando, com a maior euforia, descobria os mundos revelados pelos escritores que lia... o que acontecia com quase todos, diga-se a verdade.
Em segundo lugar, uma vida interior lenta, pesada, asfixiada. Tudo o que escrevia (que era sempre irrisoriamente pouco) saía com dificuldade e aos tropeções, esgotando-o passado pouco tempo. Na realidade, era um homem sem narrativas.
Finalmente, a consciência de que os outros iriam sempre olhar com piedade o que ele escrevesse, associada a uma imensa preguiça, fazia com que nunca terminasse o que começava.
Olhou então para a página meio vazia, sabendo que nunca a iria conseguir preencher com o que quer que fosse de interessante. Não, pelo menos para ele próprio. E seguramente que não para os outros.
Pousou a caneta e voltou aos textos escritos por exilados: Mehmed Uzun, Bei Dao, Bashkim Shehu, Svetlana Alexievitch,...

1 comentário:

Charles Ferreira dos Santos disse...

Caro, esse querer ser escritor de seu conto, é um querer quase sem querer. Um querer sem alma. Creio que era bem isso que você quis dizer. Parabéns. Encontrei o seu texto, porque acabara de escrever algo com o título semelhante: "O cara que queria ser escritor". Se tiver curiosidade, vai lá:
http://charles-reinventar.blogspot.com.br/