quinta-feira, abril 06, 2006

Anais Nin

Acabei há uns dias “Henry & June, do diário íntimo de Anais Nin” (Ed. Presença). Uma leitura que me abalou profundamente, ainda não sei exactamente (até) onde:
(a) Na revelação de uma pessoa que usa e abusa dos homens, às vezes de forma deliberada e intencional (como com Allendy), outras vezes mais inconscientemente (como com Hugo)?
(b) Na estranheza de eu não conseguir empatizar com a narradora, mas sim com um dos seus “personagens” (Hugo, o marido), ainda por cima nem sequer o mais bem visto?
(c) Na surpresa que vem do facto de a relação com o homem que ela ama apaixonadamente (Henry Miller) se começar a degradar dentro de si própria por causa de um pequeno episódio de impotênca por parte dele (páginas 151 e seguintes) – o que revela uma inesperada pequenez (ou insegurança?) por parte dela?
(d) Naquilo que me parece ser o seu fascínio pela agressividade, força e brutalidade da masculinidade de Henry Miller? E na sua profunda desilusão quando o mesmo H.M. revela facetas mais frágeis, inseguras e infantis?
(e) Na revelação de uma incapacidade de vivência de um desejo liberto de sombras? (Alguma vez isto é possível, mesmo no coração de uma juventude que nunca chegou a existir, pergunto-me eu?)

3 comentários:

Anónimo disse...

Bom, começo por dizer que sou claramente uma grande admiradora da escritora, pelo que os meus comentários têm de ser entendidos como estando repletos de respeito e carinho....
Ao ler os teus pontos cheguei mesmo a questionar-me, com todo o respeito pelas tuas opiniões, se chegaste a ler efectivamente o livro todo com atenção ou se foi mais uma "leitura na diagonal" pois há algumas inconsistências com o que conheço e li dela...

Vou responder-te por pontos, talvez seja mais fácil para mim:
1- Nunca vejo como é que ela poderia estar a "usar e abusar", visto que se esforçou e sofreu a vida toda para evitar magoar as pessoas que mais gostava (fazendo para isso acrobacias inacreditáveis e suportando a culpa e solidão que tudo isso lhe trazia)... o único problema da anais era amar demais, era amar várias pessoas e amá-las com tal intensidade que não conseguiria escolher ou magoar quem quer que seja... este é o único ponto que lhe podes apontar, e mesmo assim acho que ela revela uma abertura e uma inteligência, um insight acerca da natureza humana e da capacidade de amar, muito rara. Não acho que se confunda isso com "usar".

2- Hugo não é bem visto? Hugo é a pessoa mais importante para Anaïs, na medida em que lhe dá paz e estabilidade, é ela mesmo que o reconhece, e é o homem que ela nunca irá abandonar nem deixar de amar a vida toda. Ela chega mesmo a dizer em certas partes que ele é o mais humano, mais perfeito. Para ela, a sua humanidade é tão bela que a comove. Como é possivel não teres lido isso? É verdade que há momentos em que é claro que ela não o deseja, mas é porque as relações sexuais com ele são (e sempre foram e serão para o resto da sua vida) dolorosas (ao ponto de ela ir a vários ginecologistas ver se tem algum problema...). Ele, que sempre o soube, não parece importar-se muito com isso (isso não reparaste??) e insiste em ter relações com ela constantemente, coisa que ela aguenta sem queixas ou qualquer mostra de dor... tudo porque o ama!
E é ele que te desperta empatia e não ela??

3 - Quem fica "atrofiado" com isso é ele e não ela! Aliás ela comenta várias vezes como tentou que isso não afectasse a relação, dando-lhe todo o apoio e ele é que parecia não conseguir abstrair-se disso. Vou mais longe, ele chega mais tarde a agradecer-lhe o facto de ela ter reagido como reagiu, com naturalidade, dizendo que era normal... Isso está não só retractado no livro como também no filme (com o mesmo nome).
Outra coisa: a relação não se começa a degradar por causa disso, mas por causa do egoísmo dele... ou já te esqueceste que ela dava-lhe o dinheiro dela (chegando a passar fome), para que ele pudesse viver bem - dinheiro este que ele gastava constantemente em prostitutas! Achas que não é razão suficiente para ela dizer que ele é imaturo, irresponsável e egoista? Achas que não é razão suficiente para ela se desiludir? E olha que a relação ainda durou muito (isto foi só a descoberta de alguns aspectos nele que a magoavam), 7 anos, mais precisamente. Foi amiga dele a vida toda.

4- a sua profunda desilusão está mais que justificada pelos comportamentos imaturos que tinha constantemente, como ir a prostitutas, queixar-se de não ter certos luxos quando a anais passava fome por ele... era isso que a irritava, ele não ver isso!! os sacrificios que ela fazia por ele! mas se continuares a ler outros diários dela, então isso torna-se cada vez mais claro...

5- gostava de saber se tu sentisses o mesmo, te apaixonasses assim por várias pessoas, o que farias... achas que era possivel assumires esse desejo "sem sombras"? eras capaz de enfrentar o que isso implicava: que era uma sociedade conservadora e tacanha que não está preparada para isto, para além (e isto é que realmente era importante para ela) passar por cima dos sentimentos das pessoas que mais gostava? ela viveu em sombras por amor.
É triste que não vejas nada disto quando o seu diário é uma canção de amor, ela mesmo chegou a dizer "o diário não é meu, é de todas as pessoas que amo".
Espero que, se voltares a pegar numa obra dela, pegues com abertura, empatia e um novo olhar... como ela merece ser olhada.

Rui Diniz Monteiro disse...

Obrigado pelo trabalho que tiveste com o teu cuidadoso comentário. Li-o com toda a atenção.
Releio o meu post e não percebo como fiquei dominado por aqueles aspectos negativos, um tanto ou quanto descontextualizados (quer dizer, a verdade é que, se calhar, não foi a altura da minha vida mais adequada para ler o livro). Eu, que tanto gosto de Anais Nin: Uma espia na casa do amor, A casa do incesto, Under a glass bell, Escadas de incêndio... E já tinha lido também o Diário de Anais Nin (vol I, 1931-1934).
A verdade é que não “vi” esses aspectos de que falaste. No que fui bastante injusto. Poderei dizer em meu abono que, o facto de Henry e June parecer ser uma selecção de textos diarísticos de Anais, pode acabar por deformar um pouco o seu pensamento e as suas vivências, ajudando a destacar apenas uma parte da verdade e deixando na sombra outros aspectos considerados irrelevantes pelos organizadores?
Seja como for, sinto-me envergonhado. Obrigado mais uma vez pela tua chamada de atenção.

Sónia disse...

Eu sei que este post e consequente comentário têm muito tempo, ainda assim veio parar ás minhas mãos...Fiquei com uma vontade louca de ler esse livro, vai ser a minha próxima aquisição.

Obrigada