"Je comprends ici ce qu'on appelle gloire: le droit d'aimer sans mesure."
Noces, Albert Camus
A vida. Tão pouco e tão tanto. (...) E todavia eu sei que "isto" nasceu para o silêncio sem fim... (Vergílio Ferreira)
segunda-feira, setembro 18, 2006
quinta-feira, setembro 07, 2006
domingo, julho 30, 2006
Liberdade e Justiça
Quanto mais se procura garantir a justiça (leis que tudo regulam e a uniformização de critérios, tudo a fim de garantir igual tratamento para todos os membros de uma sociedade), mais fica a perder a liberdade.
Serão mutuamente exclusivas, a liberdade e a justiça?
Não sei.
Sei que, a partir de um certo ponto de preponderância de uma delas, a outra começa a sufocar e a desaparecer.
(Já agora, uma citação do Abade Lacordaire:
"Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o patrão e o empregado, é a lei que liberta, é a liberdade que escraviza.")
Serão mutuamente exclusivas, a liberdade e a justiça?
Não sei.
Sei que, a partir de um certo ponto de preponderância de uma delas, a outra começa a sufocar e a desaparecer.
(Já agora, uma citação do Abade Lacordaire:
"Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o patrão e o empregado, é a lei que liberta, é a liberdade que escraviza.")
Arno Gruen
Se fosse um blog trabalhado seriamente e cientificamente documentado, recomendá-lo-ia vivamente. Como não é nada disso que se trata (infelizmente não tenho tempo para torná-lo melhor) aqui fica apenas a notícia da sua existência e a razão de o ter iniciado: partilhar com outros tudo o que vou aprendendo (e crescendo) com a leitura de Arno Gruen.
sábado, julho 29, 2006
Medo
Ontem tive que ir à Segurança Social a Loures.
Saí de casa e meti-me no carro.
Sempre que ando de carro fico assustado.
Porque os portugueses a guiar são duros, feios e implacáveis.
Numa zona de escola, com velocidade máxima de 40, vou com um carro escuro colado à minha traseira. Nervoso, olho para o meu velocímetro: vou a 60, portanto a exceder largamente o máximo permitido. Quando abrando ao chegar à zona da passadeira, com lombas e risco contínuo, ele ultrapassa-me. Porquê? Não sei a resposta. Para ganhar 10, 20 segundos de tempo? Para me humilhar? Para ter adrenalina? Ignoro.
Dei, apesar de tudo, um suspiro de alívio.
Entretanto chego à Segurança Social. Eram 9 e meia. Tive que esperar cerca de duas horas. Durante esse tempo todo não vi absolutamente ninguém sorrir.
Saí diversas vezes, mantive a porta aberta para pessoas passarem. Nem um sorriso.
Fui até dar uma volta pela feira. Mas confesso que o ar agressivo e feroz, com que os feirantes procuram que nós lhes compremos coisas, afugentou-me logo dali para fora.
Finalmente sou atendido. Tudo diferente. O problema, apesar de não ser da minha responsabilidade, era bastante complicado. Ficou resolvido. Sempre com uma disposição atenciosa, leve e bem disposta por parte das senhoras que me atenderam. A quem, no fim, agradeci e dei os meus parabéns por conseguirem, ao fim de uma manhã de trabalho ininterrupto e nada fácil, manter uma disposição tão afável.
Saio e mergulho na "selva" outra vez. Quando chego aqui a casa, só me apetece não sair de cá mais. Porque os portugueses estão a construir um mundo muito hostil. Desde o Governo, passando pelos jornalistas e fazedores de opinião, até ao cidadão comum.
E é mesmo os portugueses. Tenho um amigo que foi hospitalizado. As enfermeiras eram todas espanholas. Um mundo de sorrisos. Diz ele que nunca viu na vida enfermeiras tão simpáticas.
Eu confesso: cada vez tenho mais medo dos meus compatriotas, cada vez me é mais penoso e difícil viver neste país com estas pessoas.
Saí de casa e meti-me no carro.
Sempre que ando de carro fico assustado.
Porque os portugueses a guiar são duros, feios e implacáveis.
Numa zona de escola, com velocidade máxima de 40, vou com um carro escuro colado à minha traseira. Nervoso, olho para o meu velocímetro: vou a 60, portanto a exceder largamente o máximo permitido. Quando abrando ao chegar à zona da passadeira, com lombas e risco contínuo, ele ultrapassa-me. Porquê? Não sei a resposta. Para ganhar 10, 20 segundos de tempo? Para me humilhar? Para ter adrenalina? Ignoro.
Dei, apesar de tudo, um suspiro de alívio.
Entretanto chego à Segurança Social. Eram 9 e meia. Tive que esperar cerca de duas horas. Durante esse tempo todo não vi absolutamente ninguém sorrir.
Saí diversas vezes, mantive a porta aberta para pessoas passarem. Nem um sorriso.
Fui até dar uma volta pela feira. Mas confesso que o ar agressivo e feroz, com que os feirantes procuram que nós lhes compremos coisas, afugentou-me logo dali para fora.
Finalmente sou atendido. Tudo diferente. O problema, apesar de não ser da minha responsabilidade, era bastante complicado. Ficou resolvido. Sempre com uma disposição atenciosa, leve e bem disposta por parte das senhoras que me atenderam. A quem, no fim, agradeci e dei os meus parabéns por conseguirem, ao fim de uma manhã de trabalho ininterrupto e nada fácil, manter uma disposição tão afável.
Saio e mergulho na "selva" outra vez. Quando chego aqui a casa, só me apetece não sair de cá mais. Porque os portugueses estão a construir um mundo muito hostil. Desde o Governo, passando pelos jornalistas e fazedores de opinião, até ao cidadão comum.
E é mesmo os portugueses. Tenho um amigo que foi hospitalizado. As enfermeiras eram todas espanholas. Um mundo de sorrisos. Diz ele que nunca viu na vida enfermeiras tão simpáticas.
Eu confesso: cada vez tenho mais medo dos meus compatriotas, cada vez me é mais penoso e difícil viver neste país com estas pessoas.
sexta-feira, julho 28, 2006
Do amor
Cheguei agora a casa depois de uma noite muito especial.
Há 25 anos fui um dos convidados para o casamento de 2 amigos meus.
Hoje comemoraram portanto 25 anos de casados. E 32 de namoro no mesmo sítio onde, pela primeira vez, o meu amigo disse à minha amiga o quanto a amava.
Fui um dos priviligiados, juntamente com alguns amigos e com a família, a ser convidado para esta comemoração.
Pude assim partilhar um pouco da luz única que estes meus dois amigos transmitem através do amor que sentem um pelo outro. E pelo qual lutaram ao longo destes anos todos.
Disseram: “Somos uns priviligiados por podermos dar todo o nosso amor a quem realmente amamos.”
Foi um noite verdadeiramente feliz. Amanhã volto ao meu dia a dia, um tanto ou quanto pardacento.
Mas hoje foi um daqueles momentos raros que são um autêntico intervalo de alegria pura, para nós outros, entre a nossa vida passada e a nossa vida futura.
A minha gratidão é infinita.
Há 25 anos fui um dos convidados para o casamento de 2 amigos meus.
Hoje comemoraram portanto 25 anos de casados. E 32 de namoro no mesmo sítio onde, pela primeira vez, o meu amigo disse à minha amiga o quanto a amava.
Fui um dos priviligiados, juntamente com alguns amigos e com a família, a ser convidado para esta comemoração.
Pude assim partilhar um pouco da luz única que estes meus dois amigos transmitem através do amor que sentem um pelo outro. E pelo qual lutaram ao longo destes anos todos.
Disseram: “Somos uns priviligiados por podermos dar todo o nosso amor a quem realmente amamos.”
Foi um noite verdadeiramente feliz. Amanhã volto ao meu dia a dia, um tanto ou quanto pardacento.
Mas hoje foi um daqueles momentos raros que são um autêntico intervalo de alegria pura, para nós outros, entre a nossa vida passada e a nossa vida futura.
A minha gratidão é infinita.
segunda-feira, julho 24, 2006
Como perdemos um amor, afinal?
O ser amado vai-se afastando imperceptivelmente: um cansaço aqui, uma outra escolha acolá, tudo claro e justificado, às vezes com indignação.
Até ao fim respondemos com ingenuidade. Ou talvez com fingida indiferença.
E de um momento para o outro, encontramo-nos sós.
Descobrimo-nos do lado de fora de tudo, atirados para a irremediável secura do deserto.
Sós.
Até ao fim respondemos com ingenuidade. Ou talvez com fingida indiferença.
E de um momento para o outro, encontramo-nos sós.
Descobrimo-nos do lado de fora de tudo, atirados para a irremediável secura do deserto.
Sós.
O homem que queria ser escritor
Tinha começado a ler livros esritos por exilados: Ovídio, Nabokov, Brodsky, Rushdie, Kundera.
Escritas estranhas, doridas, separadas, mas não isentas de humor.
Lembrou-se do quanto tinha sonhado em ser escritor.
Sentou-se à mesa, puxou de um molho de folhas - folhas que vinham com as revistas de que era assinante, com o nome e a morada de um lado, brancas do outro - escrevia nelas como se as dirigisse a si próprio - e resolvendo ser metódico, tratou de elaborar uma lista dos obstáculos que o impediam de ser escritor.
Primeiro que tudo, uma imaginação pobre. A medida da sua pobreza revelava-se-lhe quando, com a maior euforia, descobria os mundos revelados pelos escritores que lia... o que acontecia com quase todos, diga-se a verdade.
Em segundo lugar, uma vida interior lenta, pesada, asfixiada. Tudo o que escrevia (que era sempre irrisoriamente pouco) saía com dificuldade e aos tropeções, esgotando-o passado pouco tempo. Na realidade, era um homem sem narrativas.
Finalmente, a consciência de que os outros iriam sempre olhar com piedade o que ele escrevesse, associada a uma imensa preguiça, fazia com que nunca terminasse o que começava.
Olhou então para a página meio vazia, sabendo que nunca a iria conseguir preencher com o que quer que fosse de interessante. Não, pelo menos para ele próprio. E seguramente que não para os outros.
Pousou a caneta e voltou aos textos escritos por exilados: Mehmed Uzun, Bei Dao, Bashkim Shehu, Svetlana Alexievitch,...
Escritas estranhas, doridas, separadas, mas não isentas de humor.
Lembrou-se do quanto tinha sonhado em ser escritor.
Sentou-se à mesa, puxou de um molho de folhas - folhas que vinham com as revistas de que era assinante, com o nome e a morada de um lado, brancas do outro - escrevia nelas como se as dirigisse a si próprio - e resolvendo ser metódico, tratou de elaborar uma lista dos obstáculos que o impediam de ser escritor.
Primeiro que tudo, uma imaginação pobre. A medida da sua pobreza revelava-se-lhe quando, com a maior euforia, descobria os mundos revelados pelos escritores que lia... o que acontecia com quase todos, diga-se a verdade.
Em segundo lugar, uma vida interior lenta, pesada, asfixiada. Tudo o que escrevia (que era sempre irrisoriamente pouco) saía com dificuldade e aos tropeções, esgotando-o passado pouco tempo. Na realidade, era um homem sem narrativas.
Finalmente, a consciência de que os outros iriam sempre olhar com piedade o que ele escrevesse, associada a uma imensa preguiça, fazia com que nunca terminasse o que começava.
Olhou então para a página meio vazia, sabendo que nunca a iria conseguir preencher com o que quer que fosse de interessante. Não, pelo menos para ele próprio. E seguramente que não para os outros.
Pousou a caneta e voltou aos textos escritos por exilados: Mehmed Uzun, Bei Dao, Bashkim Shehu, Svetlana Alexievitch,...
domingo, julho 23, 2006
Guerra(s)
Abomino a violência, todos os tipos de violência: verbal ou física, pessoal ou institucional, social ou política.
Como professor sou obrigado a lidar todos os dias com a violência, com a dos outros e com a minha. E repito: abomino-a.
Sobre a guerra que Israel está a travar.
É uma guerra suja? Claro que é. Como todas. Seja no Darfur, na Tchetchénia, na antiga Jugoslávia, ou no Médio Oriente. Não há guerras limpas, nunca houve. Eu indigno-me com todas as guerras, não só com esta.
Sou simpatizante de Israel? Não, não sou. Pelo contrário, tenho tomado sempre uma posição crítica face à atitude bélica e violenta com que Israel responde a atitudes de igual tipo dos seus adversários. Porque lhe reconheço uma superioridade moral. E penso que existem maneiras mais inteligentes, mais eficazes e mais humanas de lidar com o problema que Israel vive desde o momento da sua fundação e que, é verdade, reconheço ser dramático.
(na realidade devo confessar honestamente que não sei, nenhum de nós sabe verdadeiramente o que é viver o dia a dia com a plena consciência, e quando nos distraímos a sermos lembrados de tal, de que todos os países à nossa volta estão a fazer tudo o que podem para acabarem connosco, com a nossa terra e com os nossos filhos)
Que fique claro: estou sempre do lado das vítimas, de todas as vítimas, independentemente da nacionalidade.
No entanto, há alturas em que isto não chega. Hoje sei que tenho mesmo que escolher um lado, principalmente quando a maioria das pessoas à minha volta parece escolher o lado com o qual eu não posso de todo pactuar.
Pergunto:
Qual o lado que dá mais garantias, a mim, à minha família e amigos, de conduzir a nossa vida de acordo com os valores e princípios que consideramos mais humanos, mais nobres e mais respeitadores da nossa condição?
Qual o lado que dá mais garantias de o número de vítimas não vir a ser gigantesco? Por outras palavras, o lado que mostra mais respeito pela vida humana e que não justifica nem confunde a barbárie com a Vontade de Deus?
A resposta, para mim, é clara:
O meu lado é o de Israel!
Não é o do Hezbollah, nem o do Hamas, nem o da Síria, nem o do Irão, nem o do Líbano!
Como professor sou obrigado a lidar todos os dias com a violência, com a dos outros e com a minha. E repito: abomino-a.
Sobre a guerra que Israel está a travar.
É uma guerra suja? Claro que é. Como todas. Seja no Darfur, na Tchetchénia, na antiga Jugoslávia, ou no Médio Oriente. Não há guerras limpas, nunca houve. Eu indigno-me com todas as guerras, não só com esta.
Sou simpatizante de Israel? Não, não sou. Pelo contrário, tenho tomado sempre uma posição crítica face à atitude bélica e violenta com que Israel responde a atitudes de igual tipo dos seus adversários. Porque lhe reconheço uma superioridade moral. E penso que existem maneiras mais inteligentes, mais eficazes e mais humanas de lidar com o problema que Israel vive desde o momento da sua fundação e que, é verdade, reconheço ser dramático.
(na realidade devo confessar honestamente que não sei, nenhum de nós sabe verdadeiramente o que é viver o dia a dia com a plena consciência, e quando nos distraímos a sermos lembrados de tal, de que todos os países à nossa volta estão a fazer tudo o que podem para acabarem connosco, com a nossa terra e com os nossos filhos)
Que fique claro: estou sempre do lado das vítimas, de todas as vítimas, independentemente da nacionalidade.
No entanto, há alturas em que isto não chega. Hoje sei que tenho mesmo que escolher um lado, principalmente quando a maioria das pessoas à minha volta parece escolher o lado com o qual eu não posso de todo pactuar.
Pergunto:
Qual o lado que dá mais garantias, a mim, à minha família e amigos, de conduzir a nossa vida de acordo com os valores e princípios que consideramos mais humanos, mais nobres e mais respeitadores da nossa condição?
Qual o lado que dá mais garantias de o número de vítimas não vir a ser gigantesco? Por outras palavras, o lado que mostra mais respeito pela vida humana e que não justifica nem confunde a barbárie com a Vontade de Deus?
A resposta, para mim, é clara:
O meu lado é o de Israel!
Não é o do Hezbollah, nem o do Hamas, nem o da Síria, nem o do Irão, nem o do Líbano!
quinta-feira, julho 20, 2006
La chanson des vieux amants
A distância que vai daquilo que somos ao que estamos convencidos que somos é, a maior parte das vezes, muito grande.
A partir deste auto-engano tentamos proceder de acordo com esta ideia que gostamos de fazer acerca de nós, o que nem sempre conseguimos.
Quando o amor acaba, ou o que faz com que ele acabe, é a revelação em toda a sua crueza do que nós realmente somos: homens ou mulheres sem grandeza nem bondade.
Para mim, é um choque sempre. Para os outros também deve ser.
Nesta altura, a relação tem de acabar no rancor, na amargura? Tem de acabar, sequer? Não necessariamente.
Podemos concluir que o ser que tanto amávamos (incluindo pela sua perfeição) não é o ideal.
Mas que é predominantemente desejável, comovente e amável.
Cantava Jacques Brel:
"Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes"
A partir deste auto-engano tentamos proceder de acordo com esta ideia que gostamos de fazer acerca de nós, o que nem sempre conseguimos.
Quando o amor acaba, ou o que faz com que ele acabe, é a revelação em toda a sua crueza do que nós realmente somos: homens ou mulheres sem grandeza nem bondade.
Para mim, é um choque sempre. Para os outros também deve ser.
Nesta altura, a relação tem de acabar no rancor, na amargura? Tem de acabar, sequer? Não necessariamente.
Podemos concluir que o ser que tanto amávamos (incluindo pela sua perfeição) não é o ideal.
Mas que é predominantemente desejável, comovente e amável.
Cantava Jacques Brel:
"Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes"
quarta-feira, julho 19, 2006
Do amor recusado
O que é sentido como insuportável, no fim de uma relação, por aquele que ainda ama, é que todo o investimento feito, tudo o que escolheu perder, tudo o que sofreu em prol desse amor, não serve nem serviu para absolutamente nada.
Subitamente, toda essa vida de entrega se esvaziou de finalidade e de sentido.
Mas aceitar esta ordem nova na sua vida é, de uma certa forma, aceitar morrer.
Daqui, de não aceitar morrer, nasce a profunda revolta que dirigimos inevitavelmente contra o ser amado, o ódio contra aquele que rejeita o nosso amor, aquele para quem tudo foi lucro enquanto para nós foi perda.
Contra aquele que, no fundo nos traiu, porque com o abandono a que nos vota nos espoliou do destino de uma vida inteira.
Estamos tão intimamente convictos de que uma vida com sentido é um direito nosso inalienável! E não é.
Subitamente, toda essa vida de entrega se esvaziou de finalidade e de sentido.
Mas aceitar esta ordem nova na sua vida é, de uma certa forma, aceitar morrer.
Daqui, de não aceitar morrer, nasce a profunda revolta que dirigimos inevitavelmente contra o ser amado, o ódio contra aquele que rejeita o nosso amor, aquele para quem tudo foi lucro enquanto para nós foi perda.
Contra aquele que, no fundo nos traiu, porque com o abandono a que nos vota nos espoliou do destino de uma vida inteira.
Estamos tão intimamente convictos de que uma vida com sentido é um direito nosso inalienável! E não é.
sexta-feira, julho 14, 2006
Estado de Sítio, de Albert Camus
"Diego: Quero fugir, Victoria. Já não sei onde está o dever. Não compreendo.
Victoria: Não me deixes. O dever é estar junto de quem se ama. Mantém-te firme.
Diego: Mas sou demasiado orgulhoso para te amar sem me estimar.
Victoria: Quem te impede de te estimares?
Diego: Tu, que eu vejo sem desfalecimentos.
(...)"
"Coro das mulheres:
Nós somos as guardiãs! Esta história ultrapassa-nos e esperamos que ela tenha o seu fim.
Guardaremos o nosso segredo até ao Inverno, até à hora das liberdades, quando os brados dos homens se tiverem calado e eles voltarem para nós reclamando aquilo que lhes é indispensável: a recordação dos mares livres, o céu deserto do Verão, o perfume eterno do amor.
Aqui estamos, esperando, como folhas mortas no aguaceiro de Setembro. Pairam no ar por um momento, depois o peso da água que transportam fá-las cair por terra.
Também nós estamos agora por terra.
Curvando o dorso, esperando que cessem os gritos de todos os combates, ouvimos no fundo de nós gemer docemente a lenta ressaca dos mares felizes. Quando as amendoeiras nuas se cobrirem de flores de gelo, então reerguer-nos-emos um pouco, sensíveis ao primeiro vento de esperança, em breve aprumadas nessa segunda Primavera.
E aqueles que amamos virão ao nosso encontro e, à medida que avançarem, nós seremos como as pesadas barcas que o fluxo da maré levanta pouco a pouco, viscosas de sal e de água, ricas de cheiros, até flutuarem no mar espesso.
Ah! Levante-se o vento, levante-se o vento..."
"O Coro: Mas encontraremos a esperança ao cabo do nosso caminho? Ou teremos de morrer desesperados?"
(mais n'Os (In)Docentes)
Victoria: Não me deixes. O dever é estar junto de quem se ama. Mantém-te firme.
Diego: Mas sou demasiado orgulhoso para te amar sem me estimar.
Victoria: Quem te impede de te estimares?
Diego: Tu, que eu vejo sem desfalecimentos.
(...)"
"Coro das mulheres:
Nós somos as guardiãs! Esta história ultrapassa-nos e esperamos que ela tenha o seu fim.
Guardaremos o nosso segredo até ao Inverno, até à hora das liberdades, quando os brados dos homens se tiverem calado e eles voltarem para nós reclamando aquilo que lhes é indispensável: a recordação dos mares livres, o céu deserto do Verão, o perfume eterno do amor.
Aqui estamos, esperando, como folhas mortas no aguaceiro de Setembro. Pairam no ar por um momento, depois o peso da água que transportam fá-las cair por terra.
Também nós estamos agora por terra.
Curvando o dorso, esperando que cessem os gritos de todos os combates, ouvimos no fundo de nós gemer docemente a lenta ressaca dos mares felizes. Quando as amendoeiras nuas se cobrirem de flores de gelo, então reerguer-nos-emos um pouco, sensíveis ao primeiro vento de esperança, em breve aprumadas nessa segunda Primavera.
E aqueles que amamos virão ao nosso encontro e, à medida que avançarem, nós seremos como as pesadas barcas que o fluxo da maré levanta pouco a pouco, viscosas de sal e de água, ricas de cheiros, até flutuarem no mar espesso.
Ah! Levante-se o vento, levante-se o vento..."
"O Coro: Mas encontraremos a esperança ao cabo do nosso caminho? Ou teremos de morrer desesperados?"
(mais n'Os (In)Docentes)
segunda-feira, julho 10, 2006
Conhecer através dos actos
A propósito deste meu post: O não-amor recebi o seguinte comentário:
"Só se sabe como ele é... apreciando o que ele faz! Através dos actos se conhece a pessoa interna, para a externa basta olhar."
Não é sempre verdade.
Porque os actos permitem muitas leituras.
Se nos limitamos a "apreciar o que ele faz" e mais nada, falhamos o conhecimento pela certa, dada a quantidade de possíveis interpretações que se podem fazer.
(Quantas vezes os professores se enganam acerca dos seus alunos, precisamente porque não conseguem a disponibilidade necessária para ir além dos actos!)
A empatia com o outro é aqui a palavra-chave. É ela que nos permite chegar ao ser, é ela que consegue englobar no seu campo de conhecimento não só os actos, mas as palavras, os gestos, os olhares, as atitudes, as emoções do outro.
"Só se sabe como ele é... apreciando o que ele faz! Através dos actos se conhece a pessoa interna, para a externa basta olhar."
Não é sempre verdade.
Porque os actos permitem muitas leituras.
Se nos limitamos a "apreciar o que ele faz" e mais nada, falhamos o conhecimento pela certa, dada a quantidade de possíveis interpretações que se podem fazer.
(Quantas vezes os professores se enganam acerca dos seus alunos, precisamente porque não conseguem a disponibilidade necessária para ir além dos actos!)
A empatia com o outro é aqui a palavra-chave. É ela que nos permite chegar ao ser, é ela que consegue englobar no seu campo de conhecimento não só os actos, mas as palavras, os gestos, os olhares, as atitudes, as emoções do outro.
Separados de fresco / The Break-Up
Pensamos que este filme é uma comédia e, a pouco e pouco, começamos a perceber que se trata realmente de uma história triste.
Quem quiser saber de várias maneiras de como destruir uma relação, encontra aqui algumas ideias.
Eu, que já estou a ficar velho, vivi uma boa quantidade delas.
Por exemplo, fazer o que queremos, mas sem dar hipóteses ao parceiro de também poder fazer alguma coisa que deseje.
Ou pensar que se conquista o amor e a consideração do outro, humilhando-o. Isto é, fazendo-lhe coisas de modo a obrigá-lo a "vir comer à nossa mão".
No fundo, para destruir a relação só há que encará-la como um campo de batalha, como uma luta de vontades (a disfarçar uma luta pelo poder).
Mostramos que temos personalidade e mostramos que somos determinados e teimosos: a mitologia reinante garante-nos o sucesso automático.
Na realidade, ganhamos qualquer coisa.
Não sei é se somos bem sucedidos.
Mas lá que acabamos sós, acabamos.
domingo, julho 09, 2006
De certa maneira, a felicidade
Ele tinha um defeito: não sabia o que fazer com a felicidade.
Alguma serenidade lhe era trazida, no entanto, pela fruição da melancolia.
A chuva, as grandes árvores, as pequenas derrotas, os amores sem continuação, o convívio dos outros, o espaço lá fora, a beleza quase alcançada, a esperança de algo,...
Alguma serenidade lhe era trazida, no entanto, pela fruição da melancolia.
A chuva, as grandes árvores, as pequenas derrotas, os amores sem continuação, o convívio dos outros, o espaço lá fora, a beleza quase alcançada, a esperança de algo,...
Sartre e Camus
Sartre fica-nos na memória pelas ideias
(voltei a reler As Mãos Sujas, por causa de uma ideia),
Camus pelas ideias e pelas emoções.
Tudo o que em Sartre é apenas cerebral e frio, em Camus é visceral e irredutivelmente humano.
Sartre problematiza, Camus interroga-me e questiona-me.
O que é evidente: Sartre interessa-me, mas Camus apaixona-me.
(voltei a reler As Mãos Sujas, por causa de uma ideia),
Camus pelas ideias e pelas emoções.
Tudo o que em Sartre é apenas cerebral e frio, em Camus é visceral e irredutivelmente humano.
Sartre problematiza, Camus interroga-me e questiona-me.
O que é evidente: Sartre interessa-me, mas Camus apaixona-me.
Da paixão dos outros
Comove-me sempre aquela pessoa que é amada com paixão por outrém.
Por isso, mesmo que crivada de defeitos, não consigo pensar mal dela.
Acho que sou um incurável romântico.
Por isso, mesmo que crivada de defeitos, não consigo pensar mal dela.
Acho que sou um incurável romântico.
sexta-feira, julho 07, 2006
quinta-feira, julho 06, 2006
No amor
1. O corpo: o olhar, o sorriso, a voz, o gesto - isto é, o espírito a atravessar a matéria.
2. O corpo nu: ou seja, a pele, já não apenas (entre)vista, mas sentida e tacteada.
3. O corpo que se possui: a sede infindável do outro.
2. O corpo nu: ou seja, a pele, já não apenas (entre)vista, mas sentida e tacteada.
3. O corpo que se possui: a sede infindável do outro.
quarta-feira, julho 05, 2006
Ainda a propósito do post anterior...
... É que me lembrei de uma passagem de "As mãos sujas" de Jean-Paul Sartre:
"Como tu prezas a tua pureza, meu filho! Que medo que tens de sujar as mãos! Pois bem, fica puro! Quem é que aproveitará com isso, e porque é que vens então meter-te connosco? A pureza é uma ideia de faquir e de monge. Vocês, os intelectuais, os anarquistas, utilizam-na como um pretexto para não fazer nada. Não fazer nada, ficar imóvel, apertar os cotovelos ao corpo, usar luvas. Pois eu tenho as mãos sujas. Até aos cotovelos. Mergulhei-as na merda e no sangue. E depois? Imaginas que se pode governar inocentemente?" (Quinto quadro, cena III)
Mas, apesar de tudo, não se pode tentar? Mesmo perdendo em suposta eficácia?
Se calhar, neste mundo, não... e lá voltamos ao mesmo.
"Como tu prezas a tua pureza, meu filho! Que medo que tens de sujar as mãos! Pois bem, fica puro! Quem é que aproveitará com isso, e porque é que vens então meter-te connosco? A pureza é uma ideia de faquir e de monge. Vocês, os intelectuais, os anarquistas, utilizam-na como um pretexto para não fazer nada. Não fazer nada, ficar imóvel, apertar os cotovelos ao corpo, usar luvas. Pois eu tenho as mãos sujas. Até aos cotovelos. Mergulhei-as na merda e no sangue. E depois? Imaginas que se pode governar inocentemente?" (Quinto quadro, cena III)
Mas, apesar de tudo, não se pode tentar? Mesmo perdendo em suposta eficácia?
Se calhar, neste mundo, não... e lá voltamos ao mesmo.
terça-feira, julho 04, 2006
A feira das traições
Choca-me a crescente falta de pudor que as pessoas revelam não só a executar, mas também a publicitar todas as pequenas patifarias, traições ou vinganças de que se lembram. Antes nunca dava conta delas. Agora vou sabendo de algumas. E nunca deixa de me espantar que as pessoas achem sempre justificados estes seus actos.
Quanto às pessoas que são vítimas destas acções andam, depois, completamente enganadas sobre o que se passou. Constroem um mundo de ilusões ao procurarem descobrir um sentido para aquilo que lhes aconteceu. Só que tal não é possível porque, onde a falsidade e a traição são generalizadas, deixa de haver um sentido global. Passa então a haver apenas sentidos locais, específicos e particulares a cada indivíduo. E aí tudo se baralha.
Neste ambiente, esforço-me com desespero e angústia por manter uma conduta impoluta (o que nem sempre consigo), por não me envolver em nenhuma tramóia, por procurar chegar ao fim do dia e conseguir que os meus actos tenham sido, se nem sempre impecavelmente dignos, pelo menos minimamente honrosos.
Digo bem: com desespero e angústia. Porque este em que vivo não é de todo o meu mundo. E é, de todas as maneiras, um mundo bem solitário...
Quanto às pessoas que são vítimas destas acções andam, depois, completamente enganadas sobre o que se passou. Constroem um mundo de ilusões ao procurarem descobrir um sentido para aquilo que lhes aconteceu. Só que tal não é possível porque, onde a falsidade e a traição são generalizadas, deixa de haver um sentido global. Passa então a haver apenas sentidos locais, específicos e particulares a cada indivíduo. E aí tudo se baralha.
Neste ambiente, esforço-me com desespero e angústia por manter uma conduta impoluta (o que nem sempre consigo), por não me envolver em nenhuma tramóia, por procurar chegar ao fim do dia e conseguir que os meus actos tenham sido, se nem sempre impecavelmente dignos, pelo menos minimamente honrosos.
Digo bem: com desespero e angústia. Porque este em que vivo não é de todo o meu mundo. E é, de todas as maneiras, um mundo bem solitário...
segunda-feira, julho 03, 2006
O não-amor
Ela diz: Só os actos é que contam. As palavras e as prendas materiais pouco significado têm ao pé das acções. Por isso, estou a deixar de te amar.
Ele responde: Então também vou avaliar o teu amor por tudo o que de errado fizeste, ou que simplesmente não fizeste, independentemente do que me tenhas dito.
Assim se constrói o afastamento, o fim do amor.
Porque, no fundo
(e tirando casos limite de violência),
é sempre horrível amar o outro pelo que ele fez e não pelo que ele é.
Decoryah, Once
I never thought my voice was weak
lost in the ruins of agony
They told me I was the one
who veiled the stars and the sun
I am trembling and I bleed
Only silence could see my pain and agony
I never thought I ought to run
I never seen the things you've done
I never wanted to feel growing misery
I never thought my life was weak
sunk in the rivers of agony
They told me I am not the one
who shines like the bursting Sun
I see voices rising from silence
Ele responde: Então também vou avaliar o teu amor por tudo o que de errado fizeste, ou que simplesmente não fizeste, independentemente do que me tenhas dito.
Assim se constrói o afastamento, o fim do amor.
Porque, no fundo
(e tirando casos limite de violência),
é sempre horrível amar o outro pelo que ele fez e não pelo que ele é.
Decoryah, Once
I never thought my voice was weak
lost in the ruins of agony
They told me I was the one
who veiled the stars and the sun
I am trembling and I bleed
Only silence could see my pain and agony
I never thought I ought to run
I never seen the things you've done
I never wanted to feel growing misery
I never thought my life was weak
sunk in the rivers of agony
They told me I am not the one
who shines like the bursting Sun
I see voices rising from silence
domingo, julho 02, 2006
O namoro e a morte
Conhecem-se. Seduzem-se. Às vezes à custa de destruição e de sofrimento de outros. Apesar disso, tudo funciona como uma espécie de jogo. Às vezes aproximam-se, às vezes afastam-se. Mas nada parece definitivo.
Até que um dia há uma fractura em que a morte se introduz. A leveza anterior acabou, tudo se tornou sério de repente. O amor, o futuro, a solidão, deixaram de ser possibilidades hipotéticas.
E eis a paixão que volta. Só que já fora do tempo. Inútil, pois perdeu o corpo com o qual se poderia corresponder. Apenas a memória vive, dolorosa.
Por fim, apenas a dor. Que nunca, mas nunca desaparece. Apenas se distancia.
Até que um dia há uma fractura em que a morte se introduz. A leveza anterior acabou, tudo se tornou sério de repente. O amor, o futuro, a solidão, deixaram de ser possibilidades hipotéticas.
E eis a paixão que volta. Só que já fora do tempo. Inútil, pois perdeu o corpo com o qual se poderia corresponder. Apenas a memória vive, dolorosa.
Por fim, apenas a dor. Que nunca, mas nunca desaparece. Apenas se distancia.
Das vitórias no futebol
Coisa singular, esta do futebol!
Nem Portugal, nem os portugueses ganham o que quer que seja com as vitórias (nem, já agora, com as derrotas) da Selecção.
(E não me venham com a história da auto-estima: já tivemos exemplos da ineficácia desse tipo de coisas - Expo 98, Euro 2004, etc - para a dita auto-estima. É que esta só cresce se for devido a conquistas nossas, não às de outros.)
Os únicos que ganham com essa vitórias são os próprios jogadores e o treinador, dado que elas lhes permitem prémios fabulosos e contratos ainda mais milionários do que os que já têm. Além de um reconhecimento que, nem por ser efémero, deixa de ser sumamente agradável.
(Principalmente, quando se chega ao extremo de lhes chamar heróis... Heróis!? Será que já perdemos de todo o sentido das proporções?)
Daí que, ao olhar para os milhares de portugueses que se entregam a estes delírios de alegria, não posso deixar de me comover.
Porque olho para estas pessoas que pagam os tais ordenados e prémios milionários a esses jogadores (e a mais uns abutres do futebol), cujo futuro está a ser destruído pelas actuais chefias deste país (ausência de reformas, mais horas de trabalho, menos apoios sociais, perseguições por serem competentes e não terem "amigos" bem colocados, etc, etc) e que, apesar disso, aderem sem reservas a uma felicidade e a uma alegria enormes. Por feitos de cujos lucros nem uma delas vai beneficiar minimamente, como já disse atrás.
Acho isto estúpido. Mas comovente.
(Eu alegro-me com o treinador e com os jogadores que construíram estas vitórias, claro.
Não deixo nunca de lamentar os que perdem, em particular esta Inglaterra que contribuiu de forma assinalável para que a equipa portuguesa jogasse da forma admirável como o fez.
E admiro sem reservas o Ricardo, a sua discrição e o seu brilhantismo!)
Nem Portugal, nem os portugueses ganham o que quer que seja com as vitórias (nem, já agora, com as derrotas) da Selecção.
(E não me venham com a história da auto-estima: já tivemos exemplos da ineficácia desse tipo de coisas - Expo 98, Euro 2004, etc - para a dita auto-estima. É que esta só cresce se for devido a conquistas nossas, não às de outros.)
Os únicos que ganham com essa vitórias são os próprios jogadores e o treinador, dado que elas lhes permitem prémios fabulosos e contratos ainda mais milionários do que os que já têm. Além de um reconhecimento que, nem por ser efémero, deixa de ser sumamente agradável.
(Principalmente, quando se chega ao extremo de lhes chamar heróis... Heróis!? Será que já perdemos de todo o sentido das proporções?)
Daí que, ao olhar para os milhares de portugueses que se entregam a estes delírios de alegria, não posso deixar de me comover.
Porque olho para estas pessoas que pagam os tais ordenados e prémios milionários a esses jogadores (e a mais uns abutres do futebol), cujo futuro está a ser destruído pelas actuais chefias deste país (ausência de reformas, mais horas de trabalho, menos apoios sociais, perseguições por serem competentes e não terem "amigos" bem colocados, etc, etc) e que, apesar disso, aderem sem reservas a uma felicidade e a uma alegria enormes. Por feitos de cujos lucros nem uma delas vai beneficiar minimamente, como já disse atrás.
Acho isto estúpido. Mas comovente.
(Eu alegro-me com o treinador e com os jogadores que construíram estas vitórias, claro.
Não deixo nunca de lamentar os que perdem, em particular esta Inglaterra que contribuiu de forma assinalável para que a equipa portuguesa jogasse da forma admirável como o fez.
E admiro sem reservas o Ricardo, a sua discrição e o seu brilhantismo!)
domingo, junho 25, 2006
A Peste, de Camus
Acabado de reler. O livro de Camus que mais tinha falado à minha sensibilidade na minha juventude. Hoje pergunto-me: foi o livro que me fez, ou fui eu que caminhei sempre a par dele, mesmo que sem consciência disso?
Alguém um dia disse que uma literatura de boas intenções é uma má literatura. Quem leia este livro tentando ser razoável, conclui que é disto que se trata. Quem lê com os olhos do espírito, percebe que há aqui muito mais do que isso. Há a morte, a amizade, a memória, a solidão, ou seja, a vida sempre ameaçada. E há os que lutam porque têm de lutar para que a injustiça não tenha razão, em suma lutam para serem homens.
Gostaria muito de falar deste livro como ele merece, mas não estou de todo à altura dele e, por isso, calo-me. Mas o meu silêncio vem de uma adesão profunda a este homem, Camus, que soube escrever sobre o que é tentar ser verdadeiramente humano.
"Mas, no entanto, sabia que esta crónica não podia ser a da vitória definitiva. Podia apenas ser o testemunho do que tinha sido necessário realizar e que, sem dúvida, deveriam realizar ainda, contra o terror e a sua arma infatigável, a despeito das suas dores pessoais, todos os homens que, não podendo ser santos e recusando-se a admitir os flagelos, se esforçam, no entanto, por ser médicos."
Ou enfermeiros, ou bombeiros, ou voluntários, ou professores...
Alguém um dia disse que uma literatura de boas intenções é uma má literatura. Quem leia este livro tentando ser razoável, conclui que é disto que se trata. Quem lê com os olhos do espírito, percebe que há aqui muito mais do que isso. Há a morte, a amizade, a memória, a solidão, ou seja, a vida sempre ameaçada. E há os que lutam porque têm de lutar para que a injustiça não tenha razão, em suma lutam para serem homens.
Gostaria muito de falar deste livro como ele merece, mas não estou de todo à altura dele e, por isso, calo-me. Mas o meu silêncio vem de uma adesão profunda a este homem, Camus, que soube escrever sobre o que é tentar ser verdadeiramente humano.
"Mas, no entanto, sabia que esta crónica não podia ser a da vitória definitiva. Podia apenas ser o testemunho do que tinha sido necessário realizar e que, sem dúvida, deveriam realizar ainda, contra o terror e a sua arma infatigável, a despeito das suas dores pessoais, todos os homens que, não podendo ser santos e recusando-se a admitir os flagelos, se esforçam, no entanto, por ser médicos."
Ou enfermeiros, ou bombeiros, ou voluntários, ou professores...
sábado, junho 24, 2006
O dilema
Por um lado querer afastar o sintoma, desfazendo o «nó» que o provoca.
Por outro, sentir-se satisfeito por ter resolvido o problema (ainda que tendo pago o preço de ter um sintoma não desejado) e a relutância ou medo em voltar à situação anterior.
Por outro, sentir-se satisfeito por ter resolvido o problema (ainda que tendo pago o preço de ter um sintoma não desejado) e a relutância ou medo em voltar à situação anterior.
terça-feira, junho 20, 2006
Que direito?...
O contraste entre as minhas imperfeições e as minhas exigências de felicidade!
A imodéstia: convicto de um direito à felicidade! (1)
Apesar de tudo, certos momentos de consciência desse abismo rasgado à minha volta.
E o desejo de dormir, longamente dormir.
Para harmonizar a leveza com a esperança.
(1) Não fosse essa arrogância e saberia que apenas me é permitido conquistar a alegria... e, mesmo assim, sem nunca nela me poder instalar e descansar!
A imodéstia: convicto de um direito à felicidade! (1)
Apesar de tudo, certos momentos de consciência desse abismo rasgado à minha volta.
E o desejo de dormir, longamente dormir.
Para harmonizar a leveza com a esperança.
(1) Não fosse essa arrogância e saberia que apenas me é permitido conquistar a alegria... e, mesmo assim, sem nunca nela me poder instalar e descansar!
domingo, junho 18, 2006
A minha opção
O meu lado é o dos fracos.
Mas sou consequente: há-de ser sempre o lado oposto ao e longe do poder.
Que não ambiciono nem desprezo, apenas receio.
E que, lamentavelmente, não combato: pois que tenho eu para lhe fazer frente?
Mas sou consequente: há-de ser sempre o lado oposto ao e longe do poder.
Que não ambiciono nem desprezo, apenas receio.
E que, lamentavelmente, não combato: pois que tenho eu para lhe fazer frente?
sexta-feira, junho 16, 2006
Cegueira
Um mistério rodeia todos os seres.
Depois, não há mistério nenhum.
São as infinitas faces do sofrimento que não somos capazes de aceitar.
Ou as da alegria que não conseguimos reconhecer.
Mais nada.
Depois, não há mistério nenhum.
São as infinitas faces do sofrimento que não somos capazes de aceitar.
Ou as da alegria que não conseguimos reconhecer.
Mais nada.
Dever
Para ser generoso com o amor que alguns me dedicam, e não ingrato, tenho a obrigação moral de não me desconsiderar seja de que forma for.
Morte
Abomino-a pela devastação para a qual arrasta os vivos.
Por isso, ser-me-á sempre impossível o suicídio, embora condescenda a pensá-lo com brandura. Como se de um alívio se tratasse.
Por isso, ser-me-á sempre impossível o suicídio, embora condescenda a pensá-lo com brandura. Como se de um alívio se tratasse.
quinta-feira, junho 15, 2006
Greve
Antes de passar às reflexões que pretendo fazer, que fique claro:
Fiz greve porque quis mostrar que não estou no lado onde a sra. ministra me quer colocar!
E que não estou, nem estarei nunca, ao lado de alguém que não percebe que vencer o adversário do modo como a sra. minstra o procura fazer, isto é, recorrendo à razão do ódio e da força bruta, acaba por gerar uma humilhação tal que torna a sua equívoca vitória tão esquálida e amarga como se fosse uma derrota.
Porque faço quase sempre greve?
Primeiro, sem dúvida nenhuma, porque me sinto mais irmanado com os que lutam do que com os que não lutam - penso que se trata de uma fidelidade do coração.
Segundo, por causa da minha invencível simpatia pelas causas perdidas. Além de que aceito melhor o sabor da derrota com luta, do que sem ela (lembram-se os mais antigos da Palmira Bastos: "... porque as árvores morrem de pé!"?)
O que sinto em relação aos que não fazem greve?
Um medo quase infantil de fazer algo que é sempre objecto de reprovação social (a greve),
uma certa pobreza humilde,
uma fraqueza feminilmente submissa,
um esforço, heróico por vezes, de manter uma postura digna (sabendo no seu íntimo que estão a trair),
são traços que encontro nos que não fazem greve e que, se não os desculpam completamente, fazem com que, pelo menos, eu não os condene!
(para mais que acabo por partilhar com eles alguns destes traços, só que faço a greve)
Fiz greve porque quis mostrar que não estou no lado onde a sra. ministra me quer colocar!
E que não estou, nem estarei nunca, ao lado de alguém que não percebe que vencer o adversário do modo como a sra. minstra o procura fazer, isto é, recorrendo à razão do ódio e da força bruta, acaba por gerar uma humilhação tal que torna a sua equívoca vitória tão esquálida e amarga como se fosse uma derrota.
Porque faço quase sempre greve?
Primeiro, sem dúvida nenhuma, porque me sinto mais irmanado com os que lutam do que com os que não lutam - penso que se trata de uma fidelidade do coração.
Segundo, por causa da minha invencível simpatia pelas causas perdidas. Além de que aceito melhor o sabor da derrota com luta, do que sem ela (lembram-se os mais antigos da Palmira Bastos: "... porque as árvores morrem de pé!"?)
O que sinto em relação aos que não fazem greve?
Um medo quase infantil de fazer algo que é sempre objecto de reprovação social (a greve),
uma certa pobreza humilde,
uma fraqueza feminilmente submissa,
um esforço, heróico por vezes, de manter uma postura digna (sabendo no seu íntimo que estão a trair),
são traços que encontro nos que não fazem greve e que, se não os desculpam completamente, fazem com que, pelo menos, eu não os condene!
(para mais que acabo por partilhar com eles alguns destes traços, só que faço a greve)
quarta-feira, junho 14, 2006
Da decisão sobre o Bem e o Mal
Na infância, o meu pai (era principalmente o meu pai) dizia-me o que estava bem e o que estava mal. Quando percebi que o que para uns era mal, para outros era bem, e vice-versa, foi um choque!
Há tanta gente que, por exercício de poder, pretende impor-me a sua visão do bem e do mal que, aí, iniciei uma longa luta para conseguir eu discernir por mim próprio alguma coisa sobre o assunto.
Actualmente luto contra:
- a nostalgia fortíssima do conforto infantil que representa ter alguém a dizer-me o que devo decidir; defendo-me, fechando-me (não vejo tv, leio poucos jornais e nos blogs leio opiniões de quadrantes contrários).
- a tendência de decidir sempre e cegamente contra a maioria, da qual desconfio visceralmente.
- a dificuldade em, pessoalmente e face a face, encarar a possível perda de estima dos que me rodeiam.
- a propensão para levar a sério quem não tem nada para dizer mas que, mesmo assim, o diz.
Há tanta gente que, por exercício de poder, pretende impor-me a sua visão do bem e do mal que, aí, iniciei uma longa luta para conseguir eu discernir por mim próprio alguma coisa sobre o assunto.
Actualmente luto contra:
- a nostalgia fortíssima do conforto infantil que representa ter alguém a dizer-me o que devo decidir; defendo-me, fechando-me (não vejo tv, leio poucos jornais e nos blogs leio opiniões de quadrantes contrários).
- a tendência de decidir sempre e cegamente contra a maioria, da qual desconfio visceralmente.
- a dificuldade em, pessoalmente e face a face, encarar a possível perda de estima dos que me rodeiam.
- a propensão para levar a sério quem não tem nada para dizer mas que, mesmo assim, o diz.
sábado, junho 10, 2006
Uma pena na tempestade
“A este país tenho que agradecer todo o lado escuro da minha experiência.”
(Cruzeiro Seixas, JL, 10-23 de Maio de 2006)
A proposta de Estatuto da Carreira Docente apresentada por este Governo assenta em duas ideias-chave:
1ª, Quanto mais se humilhar e se assustar o professor mais cumpridor ele se torna.
2ª, O que motiva verdadeiramente um professor é a ganância e a sede de poder.
Ambas as ideias me passam ao lado.
A 1ª porque não preciso disto para ser cumpridor. Até tenho sido entusiasta das reformas que o Ministério da Eucação tem entendido aplicar ao ensino: porque sempre estive aberto à novidade e à procura de soluções para os problemas.
Quanto à 2ª, se eu fosse sensível a ela, não estaria a dar aulas; com o curso de engenharia civil (média de 14 no IST), teria hipóteses a esse nível muito mais interessantes. Mas mesmo assim analisemo-la:
- Ganância: Ao longo da vida tenho vindo a descobrir que não só o essencial de uma vida, mas também o simplesmente importante, não passa pelos bens materiais (para além de não os poder levar comigo quando morrer). Por isso, apenas preciso do mínimo necessário a uma vida digna. O meu actual ordenado (correspondente ao 7º escalão) é mais do que suficiente para isso. Não vou lutar por mais.
- Sede de poder: Cargos de chefia só os aceitei quando não havia nenhuma outra alternativa. É que sou avesso ao poder, a todas as formas de poder. Apenas uma vez aceitei chefiar o departamento de Matemática, porque a direcção da escola da altura proporcionava um tal clima de abertura, de liberdade e de respeito que eu me senti entusiasmado para avançar. Além de que o departamento tinha professores muito participativos e interessados. Acabou como acabam sempre estas coisas. Fiquei radicalmente alérgico a qualquer cargo de chefia. Não posso deixar de sentir simpatia pela actual proposta que me faz o favor de eu nunca mais ter de me preocupar com a possibilidade de me atribuirem um desses cargos.
Gostaria que as coisas fossem diferentes? Claro que sim, às vezes ainda chego a sonhar. Mas sei que tal não é possível dado o grau de desenvolvimento cívico da maioria dos portugueses... de quem a ministra, aliás, se tem vindo a revelar uma perfeita representante (daí a imensidão de adesões entusiastas que o seu discurso tem suscitado).
Faço minhas as palavras de Cruzeiro Seixas.
(Cruzeiro Seixas, JL, 10-23 de Maio de 2006)
A proposta de Estatuto da Carreira Docente apresentada por este Governo assenta em duas ideias-chave:
1ª, Quanto mais se humilhar e se assustar o professor mais cumpridor ele se torna.
2ª, O que motiva verdadeiramente um professor é a ganância e a sede de poder.
Ambas as ideias me passam ao lado.
A 1ª porque não preciso disto para ser cumpridor. Até tenho sido entusiasta das reformas que o Ministério da Eucação tem entendido aplicar ao ensino: porque sempre estive aberto à novidade e à procura de soluções para os problemas.
Quanto à 2ª, se eu fosse sensível a ela, não estaria a dar aulas; com o curso de engenharia civil (média de 14 no IST), teria hipóteses a esse nível muito mais interessantes. Mas mesmo assim analisemo-la:
- Ganância: Ao longo da vida tenho vindo a descobrir que não só o essencial de uma vida, mas também o simplesmente importante, não passa pelos bens materiais (para além de não os poder levar comigo quando morrer). Por isso, apenas preciso do mínimo necessário a uma vida digna. O meu actual ordenado (correspondente ao 7º escalão) é mais do que suficiente para isso. Não vou lutar por mais.
- Sede de poder: Cargos de chefia só os aceitei quando não havia nenhuma outra alternativa. É que sou avesso ao poder, a todas as formas de poder. Apenas uma vez aceitei chefiar o departamento de Matemática, porque a direcção da escola da altura proporcionava um tal clima de abertura, de liberdade e de respeito que eu me senti entusiasmado para avançar. Além de que o departamento tinha professores muito participativos e interessados. Acabou como acabam sempre estas coisas. Fiquei radicalmente alérgico a qualquer cargo de chefia. Não posso deixar de sentir simpatia pela actual proposta que me faz o favor de eu nunca mais ter de me preocupar com a possibilidade de me atribuirem um desses cargos.
Gostaria que as coisas fossem diferentes? Claro que sim, às vezes ainda chego a sonhar. Mas sei que tal não é possível dado o grau de desenvolvimento cívico da maioria dos portugueses... de quem a ministra, aliás, se tem vindo a revelar uma perfeita representante (daí a imensidão de adesões entusiastas que o seu discurso tem suscitado).
Faço minhas as palavras de Cruzeiro Seixas.
terça-feira, junho 06, 2006
Quando chego à janela...
... de manhã levanto o olhar para o céu, de tarde baixo-o para a rua.
De manhã, espero a ascensão.
De tarde, procuro uma consolação nas pessoas que passam.
De manhã, espero a ascensão.
De tarde, procuro uma consolação nas pessoas que passam.
sexta-feira, junho 02, 2006
quarta-feira, maio 31, 2006
Verdade ou mentira
Sabemos o que é a verdade? Não.
Sabemos o que é a mentira. Também não.
Estamos perdidos? Estamos.
Duplamente, porque não o admitimos.
Infelizmente, entre a lucidez interrogativa e a certeza arriscada, a maior maior parte de nós opta pela segunda.
Sabemos o que é a mentira. Também não.
Estamos perdidos? Estamos.
Duplamente, porque não o admitimos.
Infelizmente, entre a lucidez interrogativa e a certeza arriscada, a maior maior parte de nós opta pela segunda.
segunda-feira, maio 29, 2006
Tentativa totalitária!!!
No artº 111 da Proposta de Alteração do Regime Legal da Carreira do Pessoal Docente apresentada pelo Governo este fim de semana, diz-se o seguinte (negritos meus):
"1 – O exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino
públicos é feito em regime de exclusividade.
2 – O regime de exclusividade implica a renúncia ao exercício de quaisquer outras actividades ou funções de natureza profissional, públicas ou privadas, remuneradas ou não, salvo nos casos previstos nos números seguintes.
3 –É permitida a acumulação do exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino públicos com:
a) Actividades de carácter ocasional que possam ser consideradas como complemento da actividade docente;
b) O exercício de funções docentes em outros estabelecimentos de educação ou de ensino."
Então agora o Governo quer mandar no meu tempo livre e privado!!??
Quer impedir-me até de fazer trabalho voluntário (já que nem mesmo admite as actividades não remuneradas)!?
Mas com que direito!!!!????
E seremos nós, os professores, um balão de ensaio com o objectivo de estender a outros esta vontade de controlar sem limites as vidas dos cidadãos?
O que virá a seguir? Dizer-nos onde é que devemos gastar o nosso salário? Com quem devemos andar?
Confesso: é assustadora a tentação totalitária e estalinizante deste Governo!!!
"1 – O exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino
públicos é feito em regime de exclusividade.
2 – O regime de exclusividade implica a renúncia ao exercício de quaisquer outras actividades ou funções de natureza profissional, públicas ou privadas, remuneradas ou não, salvo nos casos previstos nos números seguintes.
3 –É permitida a acumulação do exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino públicos com:
a) Actividades de carácter ocasional que possam ser consideradas como complemento da actividade docente;
b) O exercício de funções docentes em outros estabelecimentos de educação ou de ensino."
Então agora o Governo quer mandar no meu tempo livre e privado!!??
Quer impedir-me até de fazer trabalho voluntário (já que nem mesmo admite as actividades não remuneradas)!?
Mas com que direito!!!!????
E seremos nós, os professores, um balão de ensaio com o objectivo de estender a outros esta vontade de controlar sem limites as vidas dos cidadãos?
O que virá a seguir? Dizer-nos onde é que devemos gastar o nosso salário? Com quem devemos andar?
Confesso: é assustadora a tentação totalitária e estalinizante deste Governo!!!
sábado, maio 27, 2006
Violência
Exemplos.
Violência sobre as crianças.
Violência sobre as mulheres.
Violência sobre os caloiros.
Violência sobre os animais.
Violência...
Violência...
Sempre a violência (crescente) sobre os mais fracos.
Portugal estará a tornar-se num país de cobardes?...
Violência sobre as crianças.
Violência sobre as mulheres.
Violência sobre os caloiros.
Violência sobre os animais.
Violência...
Violência...
Sempre a violência (crescente) sobre os mais fracos.
Portugal estará a tornar-se num país de cobardes?...
quarta-feira, maio 24, 2006
Praxes académicas
sexta-feira, maio 19, 2006
Carta de uma divorciada
Há muitos anos, eu costumava passar para um caderno os textos que mais me tinham tocado. Tenho vários desses cadernos pelos quais passei os olhos recentemente. Lembrei-me de um texto, uma carta, dum tempo em que os divórcios eram muito mal vistos, principalmente para as mulheres. Infelizmente, não escrevi qualquer referência à autora, nem ao local de onde copiei a carta. Mas sempre a achei extraordinária e, portanto, aqui fica:
Faz hoje um ano em que nasceu a esperança de um fim para a miséria de passar o resto da minha vida a desejar a justiça com todo o meu coração.
Como sabes, os meus pais tinham-me condenado ao terror. Mal sabia eu que, casando-me contigo, continuaria submetida ao mesmo terror. Como se a minha alma distorcida e impura desejasse de tal modo o terror que o provocava em todos os seres a que me ligava.
Os meus filhos, os nossos filhos, tanto que eles lutaram contra esse clima de violência que, em ti, era como uma respiração (apenas contida quando estavas na presença de outros)! Mas também eles acabaram por desistir e quase que desistiram da vida na derrota desse esforço. Gostaria de pensar que eu ajudei a salvá-los mas, pobre de mim, pouco fiz, pouco consegui fazer.
Porque tínhamos armas desiguais. Por exemplo, o insulto. Ou a culpa. Ou a força e o poder. Em tudo isto eu estava em desvantagem. Uma coisa, a única, estava eu em vantagem – eu respeitava em ti tudo aquilo que tu desprezavas em mim: uma triste e fraca humanidade.
E foi graças a essa humilde humanidade que eu, não tendo conseguido libertar-me da injustiça, consegui pelo menos não ficar submetido a ela. É a minha única vitória.
Porque todas as outras são tuas: ficaste com os filhos, com a casa, com os amigos.
Eu fiquei com a esperança de felicidade. Sózinha. Mas do lado da justiça.
Faz hoje um ano em que nasceu a esperança de um fim para a miséria de passar o resto da minha vida a desejar a justiça com todo o meu coração.
Como sabes, os meus pais tinham-me condenado ao terror. Mal sabia eu que, casando-me contigo, continuaria submetida ao mesmo terror. Como se a minha alma distorcida e impura desejasse de tal modo o terror que o provocava em todos os seres a que me ligava.
Os meus filhos, os nossos filhos, tanto que eles lutaram contra esse clima de violência que, em ti, era como uma respiração (apenas contida quando estavas na presença de outros)! Mas também eles acabaram por desistir e quase que desistiram da vida na derrota desse esforço. Gostaria de pensar que eu ajudei a salvá-los mas, pobre de mim, pouco fiz, pouco consegui fazer.
Porque tínhamos armas desiguais. Por exemplo, o insulto. Ou a culpa. Ou a força e o poder. Em tudo isto eu estava em desvantagem. Uma coisa, a única, estava eu em vantagem – eu respeitava em ti tudo aquilo que tu desprezavas em mim: uma triste e fraca humanidade.
E foi graças a essa humilde humanidade que eu, não tendo conseguido libertar-me da injustiça, consegui pelo menos não ficar submetido a ela. É a minha única vitória.
Porque todas as outras são tuas: ficaste com os filhos, com a casa, com os amigos.
Eu fiquei com a esperança de felicidade. Sózinha. Mas do lado da justiça.
quarta-feira, maio 17, 2006
Aula de ginástica
Hoje, na minha aula de ginástica, discutiu-se o casamento e o divórcio.
Da aula fazem parte casados e divorciados.
Ninguém se mostrou arrependido do divórcio. Embora os homens referissem a extrema dificuldade que foi deixarem os filhos, a casa, o convívio habitual. Alguns (eles e elas) falaram também de a sua vida social ter piorado: os amigos (casados) deixaram de os(as) convidar, isto é, tudo como dantes, mas à distância.
Outros falaram das virtudes ou desvantagens do casamento.
Eu estive sempre calado, até que a professora, que é muito novinha, me interpelou perguntando se eu não tinha nada a dizer. Ao que lhe respondi:
- Só um conselho: se há uma lição que eu aprendi foi que devemos tratar o cônjuge/namorado(a) (bem como os filhos) sempre melhor do que tratamos os nossos amigos, pois eles são mais do que amigos. Se nos esquecermos disso, eles tornam-se em menos do que amigos.
- Mas as pessoas começam a estar à vontade e dizem coisas que não se atrevem a dizer aos amigos; por exemplo, o meu namorado já é um bocadinho assim, disse ela.
- E isso, garanto-lhe, é uma rampa descendente, se for por aí, o caminho é sempre a descer, é sempre para pior, disse-lhe eu.
E, de repente, senti pena porque ela é muito boa pessoa, muito simples e prestável, muito ingénua, e, portanto, propensa a muita infelicidade...
Da aula fazem parte casados e divorciados.
Ninguém se mostrou arrependido do divórcio. Embora os homens referissem a extrema dificuldade que foi deixarem os filhos, a casa, o convívio habitual. Alguns (eles e elas) falaram também de a sua vida social ter piorado: os amigos (casados) deixaram de os(as) convidar, isto é, tudo como dantes, mas à distância.
Outros falaram das virtudes ou desvantagens do casamento.
Eu estive sempre calado, até que a professora, que é muito novinha, me interpelou perguntando se eu não tinha nada a dizer. Ao que lhe respondi:
- Só um conselho: se há uma lição que eu aprendi foi que devemos tratar o cônjuge/namorado(a) (bem como os filhos) sempre melhor do que tratamos os nossos amigos, pois eles são mais do que amigos. Se nos esquecermos disso, eles tornam-se em menos do que amigos.
- Mas as pessoas começam a estar à vontade e dizem coisas que não se atrevem a dizer aos amigos; por exemplo, o meu namorado já é um bocadinho assim, disse ela.
- E isso, garanto-lhe, é uma rampa descendente, se for por aí, o caminho é sempre a descer, é sempre para pior, disse-lhe eu.
E, de repente, senti pena porque ela é muito boa pessoa, muito simples e prestável, muito ingénua, e, portanto, propensa a muita infelicidade...
domingo, maio 14, 2006
Calígula, de Camus
Li uma primeira vez e não gostei. Com a idade vai-me sendo cada vez mais insuportável a violência. Mesmo que seja para mostrar como ela é destruidora, pensei eu.
Passados uns dias em que não conseguia apagar da memória a leitura feita, já perplexo por dela não me conseguir libertar, voltei a ler esta peça de teatro. De repente, comecei a compreender e foi um fascínio. Aqui vai a minha leitura:
Calígula, aparentemente apanhado pelo desamparo sentido pela morte da sua amante e irmã Drusilla, começa por optar deixar de sentir: "(...) Quantas histórias por causa da morte de uma mulher! Não, não é isso. Suponho recordar-me, é verdade, de ter morrido há alguns dias uma mulher que amava. Mas, o que é o amor? Pouca coisa. (...)"
Mas a situação não melhora com essa decisão: "(...) Mas sinto que estão a crescer em mim seres sem nome. Que farei contra eles? (...)"
Para se libertar da dor recorre ao exercício do poder; aliás, ele é tomado por uma sede absoluta de poder!
Assim ele exerce-o, primeiro contra os outros. Isso não lhe traz problemas de maior porque, ao perder a ligação com as suas emoções mais genuínas, perdeu a capacidade de empatizar com esses outros, de sentir compaixão pelos seus sofrimentos.
Em segundo lugar, também contra si próprio. Por exemplo, uma das raríssimas decisões "boas" que toma é salvar aquele que ele sabe que irá ser o seu assassino. Com 2 objectivos:
1º, Exibir o quão vasto é o seu poder, ainda maior que o dos deuses: "(...) Admira o meu poder: os próprios deuses não podem dar a inocência sem antes terem punido.(...)"
2º, Entregar-se por completo, com volúpia mesmo, à sua imensa autodestrutividade, ao seu ódio por si próprio. O que o faz sentir-se tão próximo do seu assassino, é que ambos têm em comum a repulsa em relação à sua pessoa.
Em toda a peça perpassa esta terrível atracção que ele sente pela morte, dos outros e da sua: "É curioso! Quando não mato, sinto-me só!"
Perturbante também é a assustadora ambiguidade interior das duas personagens mais nobres da peça face a Calígula, face ao seu poder absoluto:
Cherea: "(...) e porque se não pode gostar, noutrém, daquilo que recalcamos em nós."
Cipião: "(...) Mas há qualquer coisa em mim que se parece com ele.(...) sofro também do que ele sofre. (...)"
O crime de Calígula é exercer a sua liberdade abusando injustamente do seu poder contra os outros.Daí que "Tenho também [contra mim] a lealdade e a coragem daqueles que desejam ser felizes."
A peça claro que vai muito além do que aqui resumo brevemente, resumo aliás "contaminado" por um olhar particular, o meu.
Aqui fica o que Camus escreveu sobre esta sua peça.
Passados uns dias em que não conseguia apagar da memória a leitura feita, já perplexo por dela não me conseguir libertar, voltei a ler esta peça de teatro. De repente, comecei a compreender e foi um fascínio. Aqui vai a minha leitura:
Calígula, aparentemente apanhado pelo desamparo sentido pela morte da sua amante e irmã Drusilla, começa por optar deixar de sentir: "(...) Quantas histórias por causa da morte de uma mulher! Não, não é isso. Suponho recordar-me, é verdade, de ter morrido há alguns dias uma mulher que amava. Mas, o que é o amor? Pouca coisa. (...)"
Mas a situação não melhora com essa decisão: "(...) Mas sinto que estão a crescer em mim seres sem nome. Que farei contra eles? (...)"
Para se libertar da dor recorre ao exercício do poder; aliás, ele é tomado por uma sede absoluta de poder!
Assim ele exerce-o, primeiro contra os outros. Isso não lhe traz problemas de maior porque, ao perder a ligação com as suas emoções mais genuínas, perdeu a capacidade de empatizar com esses outros, de sentir compaixão pelos seus sofrimentos.
Em segundo lugar, também contra si próprio. Por exemplo, uma das raríssimas decisões "boas" que toma é salvar aquele que ele sabe que irá ser o seu assassino. Com 2 objectivos:
1º, Exibir o quão vasto é o seu poder, ainda maior que o dos deuses: "(...) Admira o meu poder: os próprios deuses não podem dar a inocência sem antes terem punido.(...)"
2º, Entregar-se por completo, com volúpia mesmo, à sua imensa autodestrutividade, ao seu ódio por si próprio. O que o faz sentir-se tão próximo do seu assassino, é que ambos têm em comum a repulsa em relação à sua pessoa.
Em toda a peça perpassa esta terrível atracção que ele sente pela morte, dos outros e da sua: "É curioso! Quando não mato, sinto-me só!"
Perturbante também é a assustadora ambiguidade interior das duas personagens mais nobres da peça face a Calígula, face ao seu poder absoluto:
Cherea: "(...) e porque se não pode gostar, noutrém, daquilo que recalcamos em nós."
Cipião: "(...) Mas há qualquer coisa em mim que se parece com ele.(...) sofro também do que ele sofre. (...)"
O crime de Calígula é exercer a sua liberdade abusando injustamente do seu poder contra os outros.Daí que "Tenho também [contra mim] a lealdade e a coragem daqueles que desejam ser felizes."
A peça claro que vai muito além do que aqui resumo brevemente, resumo aliás "contaminado" por um olhar particular, o meu.
Aqui fica o que Camus escreveu sobre esta sua peça.
quinta-feira, maio 11, 2006
O Mito de Sísifo, de Camus
“Não tenho muitas opiniões. No fim de uma vida, o homem apercebe-se de que passou anos a assegurar-se de uma só verdade. Mas uma só, se é evidente, basta à conduta de uma existência.”
(Recordo-me de ter tido, na juventude, uma imensa fraternidade com Camus. Todos estes anos em que andei esquecido dele e sem nunca imaginar que a minha vida ia correndo pelas páginas dos seus livros! Por isso, seria falso afirmar que estou a relê-los. Não, estou a lê-los pela 1ª vez. Com paixão.)
Tu não compreendes bem o que se passa à tua volta. Não falo de atribuir rótulos simplistas a alguns factos arbitrariamente seleccionados da realidade e sobre os quais inventas um nexo qualquer : “a distância constante entre aquilo que imaginamos saber e aquilo que realmente sabemos”. Distância que existe até em relação a ti mesmo. Nem o teu corpo conheces: ele está volta e meia a apanhar-te de surpresa, seja com doenças, falhas ou apetites.
Não, falo de compreender realmente. Tu tentas e não consegues. Apercebes-te então do estrangeiro que tu és. Sem nostalgia (porque o teu passado, reconhece-lo agora, é um amontoado de ilusões, ou seja, não existiu realmente) e sem sonhos (porque o futuro deixou de ter sentido).
Saber, saber mesmo, visceralmente, que podes morrer em qualquer momento, revela como são vãs todas as ilusões que regem a tua vida. Assim, da resistência à compreensão que o mundo te impõe face ao teu desejo sôfrego de clareza e de sentido, explode o absurdo: “o absurdo nasce deste confronto entre o chamamento humano e o desrazoável silêncio do mundo”.
Este absurdo mantém-se desde que não te familiarizes com a ausência de clareza, desde que não desistas de procurar um sentido inexistente. Ou seja, ele desaparece se deixares de tentar percebê-lo; por outras palavras, se deixares de te revoltar.
Mas para quê o absurdo? Para sermos homens e mulheres inteiros e lúcidos, para levarmos uma vida exigente e autêntica, nem ausente nem emprestada. Ao desafio do que me toca ou do que embate em mim, eu responderei com a minha vontade de compreender, fundando depois a minha acção sobre o que honestamente eu aprendi.
Os rótulos, bem como as ilusões que os fundamentam, tornam a vida muito mais estreita e mesquinha. Os “sentidos”, que me esforço por atribuir a tudo, servem apenas para afunilar a minha liberdade de agir, para viver adormecido, numa palavra. Assim, a vivência do absurdo permite que a realidade me chegue com toda a sua irredutível complexidade e consequente riqueza.
Se o absurdo põe em evidência a total equivalência das acções, então interessa menos a qualidade do que vivo, passando a pesar a quantidade. Não se trata então de quantidade de acontecimentos (exteriores a mim) mas de quantidade de experiências (interiores a mim). A palavra-chave aqui não é frenesi, mas sim lucidez.
“Se ele deve reencontrar uma noite, que seja antes a do desespero que fica lúcido, noite polar, véspera do espírito, de onde se levantará talvez essa claridade branca e intacta que desenha cada objecto na luz da inteligência.”
(Recordo-me de ter tido, na juventude, uma imensa fraternidade com Camus. Todos estes anos em que andei esquecido dele e sem nunca imaginar que a minha vida ia correndo pelas páginas dos seus livros! Por isso, seria falso afirmar que estou a relê-los. Não, estou a lê-los pela 1ª vez. Com paixão.)
Tu não compreendes bem o que se passa à tua volta. Não falo de atribuir rótulos simplistas a alguns factos arbitrariamente seleccionados da realidade e sobre os quais inventas um nexo qualquer : “a distância constante entre aquilo que imaginamos saber e aquilo que realmente sabemos”. Distância que existe até em relação a ti mesmo. Nem o teu corpo conheces: ele está volta e meia a apanhar-te de surpresa, seja com doenças, falhas ou apetites.
Não, falo de compreender realmente. Tu tentas e não consegues. Apercebes-te então do estrangeiro que tu és. Sem nostalgia (porque o teu passado, reconhece-lo agora, é um amontoado de ilusões, ou seja, não existiu realmente) e sem sonhos (porque o futuro deixou de ter sentido).
Saber, saber mesmo, visceralmente, que podes morrer em qualquer momento, revela como são vãs todas as ilusões que regem a tua vida. Assim, da resistência à compreensão que o mundo te impõe face ao teu desejo sôfrego de clareza e de sentido, explode o absurdo: “o absurdo nasce deste confronto entre o chamamento humano e o desrazoável silêncio do mundo”.
Este absurdo mantém-se desde que não te familiarizes com a ausência de clareza, desde que não desistas de procurar um sentido inexistente. Ou seja, ele desaparece se deixares de tentar percebê-lo; por outras palavras, se deixares de te revoltar.
Mas para quê o absurdo? Para sermos homens e mulheres inteiros e lúcidos, para levarmos uma vida exigente e autêntica, nem ausente nem emprestada. Ao desafio do que me toca ou do que embate em mim, eu responderei com a minha vontade de compreender, fundando depois a minha acção sobre o que honestamente eu aprendi.
Os rótulos, bem como as ilusões que os fundamentam, tornam a vida muito mais estreita e mesquinha. Os “sentidos”, que me esforço por atribuir a tudo, servem apenas para afunilar a minha liberdade de agir, para viver adormecido, numa palavra. Assim, a vivência do absurdo permite que a realidade me chegue com toda a sua irredutível complexidade e consequente riqueza.
Se o absurdo põe em evidência a total equivalência das acções, então interessa menos a qualidade do que vivo, passando a pesar a quantidade. Não se trata então de quantidade de acontecimentos (exteriores a mim) mas de quantidade de experiências (interiores a mim). A palavra-chave aqui não é frenesi, mas sim lucidez.
“Se ele deve reencontrar uma noite, que seja antes a do desespero que fica lúcido, noite polar, véspera do espírito, de onde se levantará talvez essa claridade branca e intacta que desenha cada objecto na luz da inteligência.”
sábado, maio 06, 2006
Corrida Terry Fox
Comecei a corrida com lágrimas nos olhos. Eu sei, é piroso, mas só me lembrava do Terry, de hoje estar um dia lindíssimo, de estarmos tantos (3500) a conviver para uma causa nobre, de haver tantos sorrisos, enfim, de tudo isto se dever, no fundo, a alguém que se esforçou tanto e que já não vive, mas que outros "pegaram" na luz criada por ele e a continuam a manter acesa. E tudo isto comoveu-me para além de toda a amargura.
quinta-feira, maio 04, 2006
O princípio da liberdade
«Temos professores a mais e com fracas competências», disse a Ministra da Educação.
Quanto mais a Ministra me insulta, quanto mais ela toma medidas para me humilhar, quanto mais sou objecto da sanha persecutória deste governo perante a indiferença ou o rancor do resto das pessoas, quanto mais todos eles caminham para me roubarem o futuro, mais livre, realmente livre, eu vou ficando.
Antes sentia-me obrigado a fazer tudo! Procurava cumprir com todas as minhas obrigações, mesmo as mais absurdas, custasse o que custasse. O respeito e a consideração dos outros (ainda que moderados) a tal me obrigavam.
Agora, a raiva deles está a ensinar-me a libertar-me de todas as minhas cadeias e de toda a minha culpa. Porque o que quer que eu faça tanto faz: a resposta é sempre o ódio.
Assim, estou só. E, só, estou a descobrir o que é decidir o curso da minha acção conforme à minha verdade apenas. Por isso, sou mais livre. E responsável apenas perante mim mesmo.
(Não me iludo: é uma liberdade limitada, já que as possibilidades de acção são limitadas... mas as sombras do futuro e da culpa já não a distorcem, como antes, até à caricatura. Por outras palavras, quanto mais me tentam destruir, mais eu sou.)
E qual é a minha verdade? Os meus alunos, os alunos que têm consideração por mim, que estão por isso dispostos a colaborar comigo ou a combater-me (mas não aqueles que me desprezam). Daí resulta o meu compromisso de os ajudar a aprender o melhor que sei. Nada mais. O resto são/serão consequências (às quais, de resto, não sou cego).
Quanto mais a Ministra me insulta, quanto mais ela toma medidas para me humilhar, quanto mais sou objecto da sanha persecutória deste governo perante a indiferença ou o rancor do resto das pessoas, quanto mais todos eles caminham para me roubarem o futuro, mais livre, realmente livre, eu vou ficando.
Antes sentia-me obrigado a fazer tudo! Procurava cumprir com todas as minhas obrigações, mesmo as mais absurdas, custasse o que custasse. O respeito e a consideração dos outros (ainda que moderados) a tal me obrigavam.
Agora, a raiva deles está a ensinar-me a libertar-me de todas as minhas cadeias e de toda a minha culpa. Porque o que quer que eu faça tanto faz: a resposta é sempre o ódio.
Assim, estou só. E, só, estou a descobrir o que é decidir o curso da minha acção conforme à minha verdade apenas. Por isso, sou mais livre. E responsável apenas perante mim mesmo.
(Não me iludo: é uma liberdade limitada, já que as possibilidades de acção são limitadas... mas as sombras do futuro e da culpa já não a distorcem, como antes, até à caricatura. Por outras palavras, quanto mais me tentam destruir, mais eu sou.)
E qual é a minha verdade? Os meus alunos, os alunos que têm consideração por mim, que estão por isso dispostos a colaborar comigo ou a combater-me (mas não aqueles que me desprezam). Daí resulta o meu compromisso de os ajudar a aprender o melhor que sei. Nada mais. O resto são/serão consequências (às quais, de resto, não sou cego).
Um convite
Corrida Terry Fox:
"Corrida (que pode ser um passeio) de Convívio para Angariar Fundos para a Investigação em Oncologia
Data: 6 de Maio, Sábado
Local: Lisboa, Parque das Nações, em frente ao Pavilhão de Portugal
Inscrição: no local a partir das 9:30
Valor da inscrição: 5€, com oferta de t-shirt alusiva à corrida
Início da corrida (não competitiva): 11:00
Distância: entre 1,5 e 5 km"
Ah! E este ano a altura dos participantes também conta: a Roche doará 1 cêntimo por cada centímetro de altura dos participantes na corrida.
Comove-me profundamente a história simples deste jovem canadiano:
- Em 1977, aos 18 anos, vai parar ao hospital onde lhe amputam a perna direita 15 cm acima do joelho;
- Impressionado com o sofrimento dos outros doentes de cancro, de crianças a idosos, com quem conviveu no hospital, decide atravessar o Canadá a correr para angariar dinheiro para a investigação oncológica. A esta corrida deu-lhe o belíssimo nome de Maratona da Esperança;
- Depois de 143 dias e 5 373 km, tem de parar porque o cancro lhe atacou os pulmões. E morre com 22 anos.
Graças a ele, já se conseguiu até hoje mais de 360 milhões de dólares por todo o mundo. A Maratona da Esperança continua.
"Corrida (que pode ser um passeio) de Convívio para Angariar Fundos para a Investigação em Oncologia
Data: 6 de Maio, Sábado
Local: Lisboa, Parque das Nações, em frente ao Pavilhão de Portugal
Inscrição: no local a partir das 9:30
Valor da inscrição: 5€, com oferta de t-shirt alusiva à corrida
Início da corrida (não competitiva): 11:00
Distância: entre 1,5 e 5 km"
Ah! E este ano a altura dos participantes também conta: a Roche doará 1 cêntimo por cada centímetro de altura dos participantes na corrida.
Comove-me profundamente a história simples deste jovem canadiano:
- Em 1977, aos 18 anos, vai parar ao hospital onde lhe amputam a perna direita 15 cm acima do joelho;
- Impressionado com o sofrimento dos outros doentes de cancro, de crianças a idosos, com quem conviveu no hospital, decide atravessar o Canadá a correr para angariar dinheiro para a investigação oncológica. A esta corrida deu-lhe o belíssimo nome de Maratona da Esperança;
- Depois de 143 dias e 5 373 km, tem de parar porque o cancro lhe atacou os pulmões. E morre com 22 anos.
Graças a ele, já se conseguiu até hoje mais de 360 milhões de dólares por todo o mundo. A Maratona da Esperança continua.
domingo, abril 30, 2006
Correr!
Sentir o vento na face enquanto pisamos a terra da maneira mais humana que existe: com os nossos pés! Mais a pura alegria da infância de correr sem se saber porquê, para quê ou para onde!
É um desporto inspirador da mais genuína liberdade: corre-se quando (de manhã, tarde ou noite), onde (qualquer lugar serve), por quanto tempo (não há horas marcadas) e como (só correr, correr e andar, velozmente ou não, acompanhado ou não, etc) se quiser.
Adoro! E páro apenas porque não tenho físico (leia-se idade) que aguente, já que a vontade é continuar sempre em frente, sem nenhuma outra preocupação que não seja a de gozar a imensa euforia de respirar e de sentir o corpo a deslocar-se pelas infinitas paisagens do mundo.
É um desporto inspirador da mais genuína liberdade: corre-se quando (de manhã, tarde ou noite), onde (qualquer lugar serve), por quanto tempo (não há horas marcadas) e como (só correr, correr e andar, velozmente ou não, acompanhado ou não, etc) se quiser.
Adoro! E páro apenas porque não tenho físico (leia-se idade) que aguente, já que a vontade é continuar sempre em frente, sem nenhuma outra preocupação que não seja a de gozar a imensa euforia de respirar e de sentir o corpo a deslocar-se pelas infinitas paisagens do mundo.
sexta-feira, abril 28, 2006
O Estrangeiro, de Camus
Acabei de reler O Estrangeiro. Muito complicado escrever sobre este perturbante livro sem o "reduzir". De modo que deixo aqui algumas notas soltas sem pretensões "totalizantes".
É-se Estrangeiro num mundo que não tem sentido, em que casar ou matar, tudo se equivale, tudo vem a dar no mesmo, tanto lhe faz.
Ele parece estar ligado à sua verdade, não finge. O problema é que ele actua como se não houvesse verdade nenhuma. Portanto ou essa verdade não existe, ou ele não lhe está ligado. Daí que ele não escolhe, segue as escolhas dos outros por indiferença e tédio (excepto na religião, no final, talvez por um sobressalto de fidelidade a uma sua verdade que só ali se lhe revela).
Um dos aspectos mais eticamente discutíveis no livro: se é verdade que ele nunca chega a aperceber-se que o "árabe" é uma pessoa, um ser vivo como ele, nunca lhe faz impressão o ter morto um ser humano porque ele não o vê como tal (por isso, também nunca se arrepende, apenas se aborrece), o certo é que o tribunal também nunca se detém sobre esse aspecto.
A única coisa que o faz feliz é ser aceite pelos outros. A única coisa que o faz sofrer é que o detestem.
Apercebe-se de muito poucos sentimentos (tê-los, deve ter, ele não chega é lá). Apenas a nostalgia por ter perdido a liberdade bem como a cidade onde pensa ter sido feliz; e o medo da morte. Pouco mais. Por isso nem se permite reagir humanamente.
Depois disto tudo: é ele um "estrangeiro" para mim? Um fascínio visceral, embora talvez negro, bem como a adesão entusiástica de tanta gente a este romance, leva-me a dizer prudentemente que não, que não é um completo estrangeiro. Apesar de pensar que não sou; ou que talvez esteja a deixar de ser este estrangeiro... se calhar, sem nunca deixar de o ser, sendo apenas outro...
Começo a perceber porque é que, na minha juventude, Camus foi um dos fundadores da minha maneira de estar e de sentir o mundo (juntamente, mais tarde, com Vergílio Ferreira). Nos três livros que reli (A Queda, Os Justos e este) as pessoas que constituem o eixo da narrativa estão sempre em estado de desajustamento e de desadequação em relação à realidade. Melhor, em relação ao consenso criado socialmente sobre o que é ou deve ser a realidade.
É-se Estrangeiro num mundo que não tem sentido, em que casar ou matar, tudo se equivale, tudo vem a dar no mesmo, tanto lhe faz.
Ele parece estar ligado à sua verdade, não finge. O problema é que ele actua como se não houvesse verdade nenhuma. Portanto ou essa verdade não existe, ou ele não lhe está ligado. Daí que ele não escolhe, segue as escolhas dos outros por indiferença e tédio (excepto na religião, no final, talvez por um sobressalto de fidelidade a uma sua verdade que só ali se lhe revela).
Um dos aspectos mais eticamente discutíveis no livro: se é verdade que ele nunca chega a aperceber-se que o "árabe" é uma pessoa, um ser vivo como ele, nunca lhe faz impressão o ter morto um ser humano porque ele não o vê como tal (por isso, também nunca se arrepende, apenas se aborrece), o certo é que o tribunal também nunca se detém sobre esse aspecto.
A única coisa que o faz feliz é ser aceite pelos outros. A única coisa que o faz sofrer é que o detestem.
Apercebe-se de muito poucos sentimentos (tê-los, deve ter, ele não chega é lá). Apenas a nostalgia por ter perdido a liberdade bem como a cidade onde pensa ter sido feliz; e o medo da morte. Pouco mais. Por isso nem se permite reagir humanamente.
Depois disto tudo: é ele um "estrangeiro" para mim? Um fascínio visceral, embora talvez negro, bem como a adesão entusiástica de tanta gente a este romance, leva-me a dizer prudentemente que não, que não é um completo estrangeiro. Apesar de pensar que não sou; ou que talvez esteja a deixar de ser este estrangeiro... se calhar, sem nunca deixar de o ser, sendo apenas outro...
Começo a perceber porque é que, na minha juventude, Camus foi um dos fundadores da minha maneira de estar e de sentir o mundo (juntamente, mais tarde, com Vergílio Ferreira). Nos três livros que reli (A Queda, Os Justos e este) as pessoas que constituem o eixo da narrativa estão sempre em estado de desajustamento e de desadequação em relação à realidade. Melhor, em relação ao consenso criado socialmente sobre o que é ou deve ser a realidade.
terça-feira, abril 25, 2006
"A Fauna das Caixas de Comentários"
Depois de ler o artigo de Pacheco Pereira no Público; depois de analisar não só o que ele disse aqui, mas também o que ele escreve, o que eu escrevo e o que as pessoas escrevem habitualmente na net; e ainda o que as pessoas defendem e o modo como o defendem, tudo isto acabou por me suscitar a seguinte reflexão.
Encorajar os outros a melhorar, desejar-lhes bem é assim tão difícil?
Em Portugal é, aqui onde as palavras vêm muitas vezes enfeixadas com o arame farpado do cinismo, ou do desprezo, ou da raiva.
Quando vemos uma imperfeição noutrém utilizamo-la como uma oportunidade para fazermos com que essa pessoa se sinta mal com essa imperfeição: acreditamos que é esse mal-estar a única motivação que a pessoa em questão poderá ter para mudar (além de isso - diminuir alguém - nos servir para nos sentirmos melhor connosco mesmos e, muitas vezes, para brilharmos perante os outros).
Ora, isto é falso! Esses sucessivos mal-estares dão antes origem a duas patologias da vida social: desistência de tentar mudar (já que cada erro equivale ao ostracismo) e isolamento (igual a surdez e cegueira) em relação ao que os outros precisam ou ao que os outros nos querem simplesmente dizer. É que admitir uma imperfeição em nós dá-nos a indicação de que somos inferiores, de que ela justifica a falta de compaixão e a solidão para que os outros nos lançam. Sentimo-nos pessimamente com isto, portanto fechamo-nos.
Deveríamos todos falar das imperfeições alheias, criticá-las sim, mas criando um "ambiente" que encoraje o outro a mudar, que o faça sentir que essa imperfeição é uma oportunidade para ele e para nós de chegarmos a um melhor e superior patamar de existência.
Como? Mostrando que desejamos realmente bem a essa pessoa, instituição ou classe, que não a condenamos ao opróbrio e à solidão só pelo facto de ter errado. Mostrando que acreditamos sinceramente que todos temos o direito e a possibilidade de começar de novo, o que quisermos e quando quisermos.
Encorajar os outros a melhorar, desejar-lhes bem é assim tão difícil?
Em Portugal é, aqui onde as palavras vêm muitas vezes enfeixadas com o arame farpado do cinismo, ou do desprezo, ou da raiva.
Quando vemos uma imperfeição noutrém utilizamo-la como uma oportunidade para fazermos com que essa pessoa se sinta mal com essa imperfeição: acreditamos que é esse mal-estar a única motivação que a pessoa em questão poderá ter para mudar (além de isso - diminuir alguém - nos servir para nos sentirmos melhor connosco mesmos e, muitas vezes, para brilharmos perante os outros).
Ora, isto é falso! Esses sucessivos mal-estares dão antes origem a duas patologias da vida social: desistência de tentar mudar (já que cada erro equivale ao ostracismo) e isolamento (igual a surdez e cegueira) em relação ao que os outros precisam ou ao que os outros nos querem simplesmente dizer. É que admitir uma imperfeição em nós dá-nos a indicação de que somos inferiores, de que ela justifica a falta de compaixão e a solidão para que os outros nos lançam. Sentimo-nos pessimamente com isto, portanto fechamo-nos.
Deveríamos todos falar das imperfeições alheias, criticá-las sim, mas criando um "ambiente" que encoraje o outro a mudar, que o faça sentir que essa imperfeição é uma oportunidade para ele e para nós de chegarmos a um melhor e superior patamar de existência.
Como? Mostrando que desejamos realmente bem a essa pessoa, instituição ou classe, que não a condenamos ao opróbrio e à solidão só pelo facto de ter errado. Mostrando que acreditamos sinceramente que todos temos o direito e a possibilidade de começar de novo, o que quisermos e quando quisermos.
domingo, abril 23, 2006
Respondi ao desafio do Era uma vez um Girassol que consiste em divulgar uma associação humanitária da nossa escolha, Nacional ou Internacional, com post, um link, um símbolo, um gesto solidário...
Amnistia Internacional
que defende e tenta proteger as vítimas de todas as opressões e de todas as violências. Incluindo os que disseram não e que lutaram, de forma geralmente não violenta, contra a injustiça e contra a falta de liberdade.
Amnistia Internacional
que defende e tenta proteger as vítimas de todas as opressões e de todas as violências. Incluindo os que disseram não e que lutaram, de forma geralmente não violenta, contra a injustiça e contra a falta de liberdade.
Os Justos, de Camus
Acabei de reler "Os Justos" de Camus.
É uma peça de teatro que discute o direito de matar (para instalar a soberania da justiça) e quais as justificações para o fazer. O foco não incide sobre o conceito de justiça, mas sobre os que lutam por ela usando a arma do terror.
A acção decorre antes, durante e depois de um atentado ao grão-duque na Rússia, antes da Revolução de Outubro.
Lê-se e é impossível não pensar nos terroristas da Al-Qaeda e, nomeadamente, nas intervenções de Zacarias Moussaoui no seu julgamento.
Atente-se em Stepan, personagem para quem a fidelidade ao sentimento deve ser anulada face à fidelidade ao pensamento. Eis algumas palavras-chave que o ajudam definir:
- Agir, "Era preciso. Eu não podia mais. Atabafava. Agir, enfim, agir..."
- Obedecer, "Saberei obedecer-te.", "É preciso que haja uma disciplina.", "Ele devia ter obedecido."
- Odiar, "Mas eu não amo nada, e odeio, sim, odeio os meus semelhantes!", "Ao menos, resta-me a [força] de odiar. Vale mais do que a indiferença."
- Mentir ao negar os seus próprios sentimentos, "Nunca estou cansado".
- Recusar as nuances, apenas o preto ou branco, "Só as bombas são revolucionárias.", "é preciso destruir o mundo de alto a baixo."
- Compreender as coisas ao contrário, "Quem se suicida gosta muito de si mesmo. Um verdadeiro revolucionário não pode gostar de si mesmo." (lembre-se que os terroristas muçulmanos vêem-se a si próprios a morrer em combate, não a suicidar-se)
- Dar sempre a primazia à Ideia, em detrimento do Humano, "Não amo a vida, mas a justiça, que está mais alta do que a vida".
Mas o livro é muito mais do que isto. Nele, Camus questiona-nos num número infindável de aspectos, o que lhe proporciona uma actualidade terrível.
Obra que, por ser mais um texto extraordinário, adquire hoje em dia uma universalidade que penso que ultrapassa as intenções do seu autor, como se pode ver pelo que Camus dizia acerca dela aqui.
Principalmente porque sabemos qual a sociedade que resultou na Rússia da aplicação do terror para repôr a justiça sobre a terra...
Adenda:
Li Camus nos princípio dos meus vinte anos. Amei tanto este autor! Ao fim destes anos todos, para grande surpresa minha, renovo esse imenso amor pela sua obra. Acompanhado por uma autêntica admiração e um respeito enorme pela sua actualidade e pela sua lúcida inteligência.
É uma peça de teatro que discute o direito de matar (para instalar a soberania da justiça) e quais as justificações para o fazer. O foco não incide sobre o conceito de justiça, mas sobre os que lutam por ela usando a arma do terror.
A acção decorre antes, durante e depois de um atentado ao grão-duque na Rússia, antes da Revolução de Outubro.
Lê-se e é impossível não pensar nos terroristas da Al-Qaeda e, nomeadamente, nas intervenções de Zacarias Moussaoui no seu julgamento.
Atente-se em Stepan, personagem para quem a fidelidade ao sentimento deve ser anulada face à fidelidade ao pensamento. Eis algumas palavras-chave que o ajudam definir:
- Agir, "Era preciso. Eu não podia mais. Atabafava. Agir, enfim, agir..."
- Obedecer, "Saberei obedecer-te.", "É preciso que haja uma disciplina.", "Ele devia ter obedecido."
- Odiar, "Mas eu não amo nada, e odeio, sim, odeio os meus semelhantes!", "Ao menos, resta-me a [força] de odiar. Vale mais do que a indiferença."
- Mentir ao negar os seus próprios sentimentos, "Nunca estou cansado".
- Recusar as nuances, apenas o preto ou branco, "Só as bombas são revolucionárias.", "é preciso destruir o mundo de alto a baixo."
- Compreender as coisas ao contrário, "Quem se suicida gosta muito de si mesmo. Um verdadeiro revolucionário não pode gostar de si mesmo." (lembre-se que os terroristas muçulmanos vêem-se a si próprios a morrer em combate, não a suicidar-se)
- Dar sempre a primazia à Ideia, em detrimento do Humano, "Não amo a vida, mas a justiça, que está mais alta do que a vida".
Mas o livro é muito mais do que isto. Nele, Camus questiona-nos num número infindável de aspectos, o que lhe proporciona uma actualidade terrível.
Obra que, por ser mais um texto extraordinário, adquire hoje em dia uma universalidade que penso que ultrapassa as intenções do seu autor, como se pode ver pelo que Camus dizia acerca dela aqui.
Principalmente porque sabemos qual a sociedade que resultou na Rússia da aplicação do terror para repôr a justiça sobre a terra...
Adenda:
Li Camus nos princípio dos meus vinte anos. Amei tanto este autor! Ao fim destes anos todos, para grande surpresa minha, renovo esse imenso amor pela sua obra. Acompanhado por uma autêntica admiração e um respeito enorme pela sua actualidade e pela sua lúcida inteligência.
sexta-feira, abril 21, 2006
A Queda, de Camus
Relida "A Queda".
Li-a na minha juventude e não gostei. Não admira. Por essa altura procurava desesperadamente ser aceite e louvado pelos outros. Processo que é implacavelmente desmascarado por este livro. E é esta absoluta implacabilidade que tornou a minha releitura dele tremendamente fascinante.
Aqui há a denúncia do cinismo e, portanto, do desastre da actual condição humana, mas ao mesmo tempo mostrando de forma cortês (lançando mão de um falsamente solidário "nós" com que melhor expõe este horror) algo como que repulsa pela simpatia do ouvinte/leitor porque a sabe falsa e auto-complacente.
Todos nós nos achamos bons e injustamente apreciados. Mas, tal como o protagonista, todos nós já ouvimos um grito e não parámos nem nos voltámos para ajudar. Por isso, em maior ou menor grau, todos participamos da descrição que ele faz da sua/nossa pobre e triste humanidade.
Não quero encher este post de superlativos que tornariam suspeita a real qualidade do livro. Mas é um livro obrigatório. Actual até à dor e ao riso. Suspeito que será eterno, mas não lido porque excessivamente incómodo, um espelho demasiado cru das nossas auto-ilusões.
Li-a na minha juventude e não gostei. Não admira. Por essa altura procurava desesperadamente ser aceite e louvado pelos outros. Processo que é implacavelmente desmascarado por este livro. E é esta absoluta implacabilidade que tornou a minha releitura dele tremendamente fascinante.
Aqui há a denúncia do cinismo e, portanto, do desastre da actual condição humana, mas ao mesmo tempo mostrando de forma cortês (lançando mão de um falsamente solidário "nós" com que melhor expõe este horror) algo como que repulsa pela simpatia do ouvinte/leitor porque a sabe falsa e auto-complacente.
Todos nós nos achamos bons e injustamente apreciados. Mas, tal como o protagonista, todos nós já ouvimos um grito e não parámos nem nos voltámos para ajudar. Por isso, em maior ou menor grau, todos participamos da descrição que ele faz da sua/nossa pobre e triste humanidade.
Não quero encher este post de superlativos que tornariam suspeita a real qualidade do livro. Mas é um livro obrigatório. Actual até à dor e ao riso. Suspeito que será eterno, mas não lido porque excessivamente incómodo, um espelho demasiado cru das nossas auto-ilusões.
quinta-feira, abril 20, 2006
Curioso...
(...) A Queda, de Camus, tem uma frase estupenda. Diz ele que o que caracteriza a nossa época é que substituímos o diálogo pelo comunicado. (...)"
António Lobo Antunes escreve isto numa carta à mulher em 1971.
Camus escreve La Chute em 1956.
Estamos em 2006.
Num blog.
No meio de 35,3 milhões de blogs.
Vou reler A Queda.
António Lobo Antunes escreve isto numa carta à mulher em 1971.
Camus escreve La Chute em 1956.
Estamos em 2006.
Num blog.
No meio de 35,3 milhões de blogs.
Vou reler A Queda.
quarta-feira, abril 19, 2006
19 de Abril de 1506
500 anos de um massacre de milhares de pessoas em Lisboa, por razões que só a mais extrema estupidez poderia encontrar.
Hoje, por todo o país, ardem milhares de velas pelas vítimas.
Obrigado, Nuno Guerreiro!
Hoje, por todo o país, ardem milhares de velas pelas vítimas.
Obrigado, Nuno Guerreiro!
domingo, abril 16, 2006
D'este Viver Aqui Neste Papel Descripto
Não há nada, não há praticamente episódios nenhuns, nem história, nem histórias, nada.
Mas é deste quase nada que ele escreve os seus aerogramas, do desespero e, principalmente, do grande amor que António Lobo Antunes dedicava à mulher.
E eu comovo-me com a sua juventude amarga que transparece nestas cartas.
Mas há algo que perturba permanentemente a minha leitura: as declarações de amor absoluto e eterno, sempre implícitas e explícitas em todas as cartas.
O problema é que eu sei, todos sabemos, que ele se separa da mulher 5 anos depois.
Separação "estúpida", como reitera várias vezes em "Conversas com António Lobo Antunes", de María Luisa Blanco, p.57 e 58.
E "Ela nunca voltou a viver com ninguém pensando que eu ia voltar."
Assusta-me a extrema fragilidade das coisas, dos sentimentos.
E a dor.
No amor andamos sempre no fio da navalha.
Mas é deste quase nada que ele escreve os seus aerogramas, do desespero e, principalmente, do grande amor que António Lobo Antunes dedicava à mulher.
E eu comovo-me com a sua juventude amarga que transparece nestas cartas.
Mas há algo que perturba permanentemente a minha leitura: as declarações de amor absoluto e eterno, sempre implícitas e explícitas em todas as cartas.
O problema é que eu sei, todos sabemos, que ele se separa da mulher 5 anos depois.
Separação "estúpida", como reitera várias vezes em "Conversas com António Lobo Antunes", de María Luisa Blanco, p.57 e 58.
E "Ela nunca voltou a viver com ninguém pensando que eu ia voltar."
Assusta-me a extrema fragilidade das coisas, dos sentimentos.
E a dor.
No amor andamos sempre no fio da navalha.
sábado, abril 15, 2006
Que delícia!
Beatriz Costa: "Quando quero chorar, penso na minha vida sexual. Quando quero rir, também."
(citada no Público de hoje, a propósito dos dez anos da sua morte)
(citada no Público de hoje, a propósito dos dez anos da sua morte)
sexta-feira, abril 14, 2006
Maus tratos V
Porque a questão essencial tem de se pôr nos seguintes termos:
Se é inaceitável um adulto levar uma estalada seja por que motivo for (educativo, político ou criminal), porque é que para tanta gente isso já parece aceitável se for com uma criança?
Porque é que no estabelecimento de limites àquilo que um adulto faz é inadmissível a violência, mas na criança até se considera defensável (como o mostraram os Srs. Juízes do Supremo)?
Há que perguntar às pessoas: acham que aquilo que é humilhante para um adulto, não o é para uma criança? Porquê?
Será que acham que as crianças têm menos sentimentos e emoções que os adultos? Ou que têm menos sentido de dignidade pessoal? Ou, ainda, que têm menos sensibilidade que um adulto?
Para o dizer franca e brutalmente: será que acham que as crianças são menos seres humanos que os adultos? E que, por isso, devem ter menos direitos?
Dizem-me: as crianças são seres em formação. Respondo: também os adultos o são, mesmo que o não queiram ser.
Dizem-me: são seres que muitas vezes não vêem as consequências do que fazem. Respondo: também os adultos não vêem (e, infelizmente, com consequências igualmente graves: basta reparar em como as pessoas se enganam desgraçadamente seja a conduzir um carro, seja a comer ou a beber, seja a apoiar uma guerra no Iraque, etc).
Dizem-me: batemos-lhes para bem deles. Respondo: isso também se pode aplicar aos adultos.
Não, realmente a questão essencial, donde nasce tudo o que pudermos pensar e discutir sobre este assunto dos castigos corporais nas crianças, é esta:
As crianças são menos seres humanos que os adultos?
Se é inaceitável um adulto levar uma estalada seja por que motivo for (educativo, político ou criminal), porque é que para tanta gente isso já parece aceitável se for com uma criança?
Porque é que no estabelecimento de limites àquilo que um adulto faz é inadmissível a violência, mas na criança até se considera defensável (como o mostraram os Srs. Juízes do Supremo)?
Há que perguntar às pessoas: acham que aquilo que é humilhante para um adulto, não o é para uma criança? Porquê?
Será que acham que as crianças têm menos sentimentos e emoções que os adultos? Ou que têm menos sentido de dignidade pessoal? Ou, ainda, que têm menos sensibilidade que um adulto?
Para o dizer franca e brutalmente: será que acham que as crianças são menos seres humanos que os adultos? E que, por isso, devem ter menos direitos?
Dizem-me: as crianças são seres em formação. Respondo: também os adultos o são, mesmo que o não queiram ser.
Dizem-me: são seres que muitas vezes não vêem as consequências do que fazem. Respondo: também os adultos não vêem (e, infelizmente, com consequências igualmente graves: basta reparar em como as pessoas se enganam desgraçadamente seja a conduzir um carro, seja a comer ou a beber, seja a apoiar uma guerra no Iraque, etc).
Dizem-me: batemos-lhes para bem deles. Respondo: isso também se pode aplicar aos adultos.
Não, realmente a questão essencial, donde nasce tudo o que pudermos pensar e discutir sobre este assunto dos castigos corporais nas crianças, é esta:
As crianças são menos seres humanos que os adultos?
quinta-feira, abril 13, 2006
Maus tratos IV
"Na educação do ser humano justifica-se uma correcção moderada que pode incluir alguns castigos corporais ou outros. Será utópico pensar o contrário e cremos bem que estão postas de parte, no plano científico, as teorias que defendem a abstenção total deste tipo de castigos moderados.". A conclusão é dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) - relator João Bernardo e juízes Pires Salpico, Henriques Gaspar e Políbio Flor (...)
(no Diário de Notícias de hoje)
Sem qualquer espécie de ironia devo dizer que me sinto grato a estes Srs. Juízes.
Eu sei, este acórdão é uma vergonha para Portugal.
Também sei que os portugueses, na sua esmagadora maioria, de classes altas ou baixas, cultas ou incultas, se fossem inquiridos anonimamente, concordariam com ele. Pelo que o referido acórdão é, no fundo, expressão daquilo que quase toda a gente considera razoável e aceitável. Apesar de ser um sinal de barbárie.
Mas, graças a ele, pode-se esclarecer:
"Não há qualquer referência, em lado algum, à punição como forma de aprendizagem para qualquer criança, com deficiência ou não", explica ao DN o professor de Educação Especial e Reabilitação da Universidade Técnica de Lisboa, David Rodrigues.(...) O acórdão só pode ser considerado , por isso, "um documento incompetente, arrogante e retrógrado."
E graças a ele sabe-se que há, apesar de tudo, bastante gente que se sente revoltada com esta vergonha e que não tem receio de o mostrar: David Rodrigues, Associação Pró-Ordem dos Psicólogos, Associação Portuguesa de Deficientes, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, UNICEF, Helena Garrido e todos os jornalistas que não hesitam em mostrar repúdio por aquelas ideias.
E isto, garanto-vos, é bom!
Porque as crianças neste miserável país estão indefesas face à brutalidade dos adultos.
Uma sugestão: arranjem um tempo para ler The History of Child Abuse por Lloyd deMause. Nunca mais a vão esquecer.
(no Diário de Notícias de hoje)
Sem qualquer espécie de ironia devo dizer que me sinto grato a estes Srs. Juízes.
Eu sei, este acórdão é uma vergonha para Portugal.
Também sei que os portugueses, na sua esmagadora maioria, de classes altas ou baixas, cultas ou incultas, se fossem inquiridos anonimamente, concordariam com ele. Pelo que o referido acórdão é, no fundo, expressão daquilo que quase toda a gente considera razoável e aceitável. Apesar de ser um sinal de barbárie.
Mas, graças a ele, pode-se esclarecer:
"Não há qualquer referência, em lado algum, à punição como forma de aprendizagem para qualquer criança, com deficiência ou não", explica ao DN o professor de Educação Especial e Reabilitação da Universidade Técnica de Lisboa, David Rodrigues.(...) O acórdão só pode ser considerado , por isso, "um documento incompetente, arrogante e retrógrado."
E graças a ele sabe-se que há, apesar de tudo, bastante gente que se sente revoltada com esta vergonha e que não tem receio de o mostrar: David Rodrigues, Associação Pró-Ordem dos Psicólogos, Associação Portuguesa de Deficientes, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, UNICEF, Helena Garrido e todos os jornalistas que não hesitam em mostrar repúdio por aquelas ideias.
E isto, garanto-vos, é bom!
Porque as crianças neste miserável país estão indefesas face à brutalidade dos adultos.
Uma sugestão: arranjem um tempo para ler The History of Child Abuse por Lloyd deMause. Nunca mais a vão esquecer.
Maus tratos III
"- A minha mãe ontem partiu uma colher a bater-me.
- A tua mãe bate-te?
- Não, quem me bate é o meu pai."
X batia no filho com um cajado. Este, quando se tornou pai, achou aquilo uma brutalidade e, portanto, mais humanamente, batia nos seus filhos com tiras de pneu. Etc, etc.
O problema da regra de, no castigo fisico, usar de bom senso é que toda a gente acha que o tem e isso não é impedimento às maiores arbitrariedades. Principalmente naqueles que interiorizaram a violência de que foram vítimas na infância, que esqueceram a dor e a revolta sentidas na altura e que agora acham que foi bom terem-lhes batido.
Eu batia no meu filho. Pouco e justificadamente, pensava eu... quer dizer, a minha ex-mulher discordou sempre, ela nunca bateu no nosso filho.
Uma noite, depois de ter dado uma palmada e de o ter deitado (ele teria 2 ou 3 anos de idade), dou-me conta que ele não parava de chorar. Voltei ao quarto e perguntei-lhe porquê.
- Porque foste injusto!
- Mas tu fizeste isto e isto. (já não me lembro do que foi)
- Eu sei, mas foste injusto à mesma, eu não merecia!
E, de repente, percebi!
Não há nenhuma linha de fronteira entre o castigo físico e o mau trato.
Quando alguém que amamos e de quem esperamos amor nos bate, seja pai, mãe ou marido, isso é sempre maus tratos!
Além disso, eu pensava que não tinha ultrapassado essa ilusória linha... tal como X, ou o filho, ou o meu pai, ou... Quem me garantia a mim que eu estava certo? Para já, o meu filho e a mãe achavam que eu estava errado (como eu achei quando era eu que recebia na infância).
Percebi que estava a cair.
Fiz um acordo com o meu filho: se ele não voltasse a fazer aquilo eu nunca mais lhe batia. Não que eu esperasse que ele nunca mais o fizesse, afinal ele só tinha 2 ou 3 anos de idade. Não, o acordo era para mim, para eu não me deixar arrastar para aquilo que eu agora sabia ser uma violência.
Infelizmente, faltei à palavra, ainda lhe dei uma palmada uma vez numa birra. Mas, desde aí, nunca mais lhe bati. E querem saber uma coisa? Não fez falta nenhuma. Hoje é um filho impecável. O que, aliás, me leva a concluir que todas as palmadas que lhe dei anteriormente foram realmente a mais, foram realmente uma violência desnecessária.
Gostaria ainda de dizer que tenho escrito estes três posts com revolta mas também com uma invencível tristeza, porque sinto que sou impotente para explicar tudo isto de forma as pessoas entenderem.
Há um traço comum a quase todos os miúdos com comportamentos problemáticos, é que levam ou levaram dos pais. E ninguém percebe que é isso que os torna problemáticos. A raiva acumula-se, explode na escola, normalmente contra os mais fracos (que até podem ser professores). Um dia, quando eles já estão mais crescidos, os pais passam a ter medo de lhes bater e aí (ou tantas vezes muito antes) perdem a mão neles, porque não foi o respeito que lhes ensinaram a ter pelas coisas e pelas pessoas, foi o medo. E, com falta de sorte, é pelo medo que eles vão reger todas as suas vidas (e, tanto quanto lhes for permitido, as dos outros)...
- A tua mãe bate-te?
- Não, quem me bate é o meu pai."
X batia no filho com um cajado. Este, quando se tornou pai, achou aquilo uma brutalidade e, portanto, mais humanamente, batia nos seus filhos com tiras de pneu. Etc, etc.
O problema da regra de, no castigo fisico, usar de bom senso é que toda a gente acha que o tem e isso não é impedimento às maiores arbitrariedades. Principalmente naqueles que interiorizaram a violência de que foram vítimas na infância, que esqueceram a dor e a revolta sentidas na altura e que agora acham que foi bom terem-lhes batido.
Eu batia no meu filho. Pouco e justificadamente, pensava eu... quer dizer, a minha ex-mulher discordou sempre, ela nunca bateu no nosso filho.
Uma noite, depois de ter dado uma palmada e de o ter deitado (ele teria 2 ou 3 anos de idade), dou-me conta que ele não parava de chorar. Voltei ao quarto e perguntei-lhe porquê.
- Porque foste injusto!
- Mas tu fizeste isto e isto. (já não me lembro do que foi)
- Eu sei, mas foste injusto à mesma, eu não merecia!
E, de repente, percebi!
Não há nenhuma linha de fronteira entre o castigo físico e o mau trato.
Quando alguém que amamos e de quem esperamos amor nos bate, seja pai, mãe ou marido, isso é sempre maus tratos!
Além disso, eu pensava que não tinha ultrapassado essa ilusória linha... tal como X, ou o filho, ou o meu pai, ou... Quem me garantia a mim que eu estava certo? Para já, o meu filho e a mãe achavam que eu estava errado (como eu achei quando era eu que recebia na infância).
Percebi que estava a cair.
Fiz um acordo com o meu filho: se ele não voltasse a fazer aquilo eu nunca mais lhe batia. Não que eu esperasse que ele nunca mais o fizesse, afinal ele só tinha 2 ou 3 anos de idade. Não, o acordo era para mim, para eu não me deixar arrastar para aquilo que eu agora sabia ser uma violência.
Infelizmente, faltei à palavra, ainda lhe dei uma palmada uma vez numa birra. Mas, desde aí, nunca mais lhe bati. E querem saber uma coisa? Não fez falta nenhuma. Hoje é um filho impecável. O que, aliás, me leva a concluir que todas as palmadas que lhe dei anteriormente foram realmente a mais, foram realmente uma violência desnecessária.
Gostaria ainda de dizer que tenho escrito estes três posts com revolta mas também com uma invencível tristeza, porque sinto que sou impotente para explicar tudo isto de forma as pessoas entenderem.
Há um traço comum a quase todos os miúdos com comportamentos problemáticos, é que levam ou levaram dos pais. E ninguém percebe que é isso que os torna problemáticos. A raiva acumula-se, explode na escola, normalmente contra os mais fracos (que até podem ser professores). Um dia, quando eles já estão mais crescidos, os pais passam a ter medo de lhes bater e aí (ou tantas vezes muito antes) perdem a mão neles, porque não foi o respeito que lhes ensinaram a ter pelas coisas e pelas pessoas, foi o medo. E, com falta de sorte, é pelo medo que eles vão reger todas as suas vidas (e, tanto quanto lhes for permitido, as dos outros)...
quarta-feira, abril 12, 2006
Maus tratos II
Quais as consequências de se ser vítima de castigos físicos na infância? São tantas... Não se iludam: cada uma das que se apresentam a seguir tem mundos de sofrimento, de confusão e de solidão dentro de si.
• Medo, medo que se entranha dentro de nós e que nunca mais nos larga: medo de sentir, medo dos outros, medo de gostar, medo de arriscar, medo de escolher ou de decidir, medo de se estar contente, etc, etc.
• Perda da capacidade de empatia e de compaixão pelos outros, tal é a raiva, a fúria e o medo que geram em nós os castigos físicos.
• Impulso cego para os infligir indiscriminadamente aos outros, normalmente aos filhos pequenos e a outros seres indefesos.
• Fascínio (também político) pelas figuras de autoridade suicidariamente castigadoras e implacáveis (associado muitas vezes à incapacidade de lhes fazer frente).
• Do castigo físico à violência, qual a fronteira? Para quem os sofreu é praticamente impossível sabê-lo. Se estiver muito atento descobri-lo-á pela destruição que espalha em seu redor... E que, se tiver sorte, se voltará contra si próprio, permitindo-lhe, talvez, parar.
• A sensação de que não prestamos para nada. E como lutamos contra esse sentimento: diminuindo os outros (tantas vezes de forma tão violenta!) ou não nos atrevendo a sair dum medíocre anonimato.
• Medo, medo que se entranha dentro de nós e que nunca mais nos larga: medo de sentir, medo dos outros, medo de gostar, medo de arriscar, medo de escolher ou de decidir, medo de se estar contente, etc, etc.
• Perda da capacidade de empatia e de compaixão pelos outros, tal é a raiva, a fúria e o medo que geram em nós os castigos físicos.
• Impulso cego para os infligir indiscriminadamente aos outros, normalmente aos filhos pequenos e a outros seres indefesos.
• Fascínio (também político) pelas figuras de autoridade suicidariamente castigadoras e implacáveis (associado muitas vezes à incapacidade de lhes fazer frente).
• Do castigo físico à violência, qual a fronteira? Para quem os sofreu é praticamente impossível sabê-lo. Se estiver muito atento descobri-lo-á pela destruição que espalha em seu redor... E que, se tiver sorte, se voltará contra si próprio, permitindo-lhe, talvez, parar.
• A sensação de que não prestamos para nada. E como lutamos contra esse sentimento: diminuindo os outros (tantas vezes de forma tão violenta!) ou não nos atrevendo a sair dum medíocre anonimato.
Maus tratos... legais!?
Li no Murcon e aqui!
Não posso acreditar! Nós somos atrasados e incivilizados, eu sei, mas ao nível do Supremo!!?? Não dar estaladas e palmadas pode configurar "negligência educacional"!!!???
No Murcon pus este comentário:
Vamos admitir que as estaladas são aceitáveis com o objectivo de "aplicar educação" (expressão que agradeço a noiseformind num comentário lá em cima).
Partamos também do princípio que aqui não há cobardes que defendam o castigo físico só para os mais fracos, a saber as crianças. Não, há que ser íntegro: se aceitamos a bondade dos castigos físicos, então é para todos (mesmo para os Senhores Juízes).
Admitido tudo isto, ponhamos agora uma situação:
Todos nós excedemos a velocidade permitida repetidas vezes. Sabemos que estamos a brincar estupidamente com as vidas dos outros (como as estatísticas de mortos anuais em acidentes de viação no-lo mostram).
Temos aqui uma situação grave que mais do que justifica (no mínimo) umas boas estaladas dadas por um alentado GNR a todos nós que excedermos a velocidade permitida... para "aplicar educação" a quem não a tem, claro!
Certo?
Por mim respondo: errado! Porque qualquer vantagem que elas possam trazer, nunca compensam a devastação que arrastam atrás de si.
Nem os Senhores Juizes do Supremo Tribunal de Justiça, nem as crianças, ninguém merece sofrer castigos físicos, seja qual for o motivo!
Não posso acreditar! Nós somos atrasados e incivilizados, eu sei, mas ao nível do Supremo!!?? Não dar estaladas e palmadas pode configurar "negligência educacional"!!!???
No Murcon pus este comentário:
Vamos admitir que as estaladas são aceitáveis com o objectivo de "aplicar educação" (expressão que agradeço a noiseformind num comentário lá em cima).
Partamos também do princípio que aqui não há cobardes que defendam o castigo físico só para os mais fracos, a saber as crianças. Não, há que ser íntegro: se aceitamos a bondade dos castigos físicos, então é para todos (mesmo para os Senhores Juízes).
Admitido tudo isto, ponhamos agora uma situação:
Todos nós excedemos a velocidade permitida repetidas vezes. Sabemos que estamos a brincar estupidamente com as vidas dos outros (como as estatísticas de mortos anuais em acidentes de viação no-lo mostram).
Temos aqui uma situação grave que mais do que justifica (no mínimo) umas boas estaladas dadas por um alentado GNR a todos nós que excedermos a velocidade permitida... para "aplicar educação" a quem não a tem, claro!
Certo?
Por mim respondo: errado! Porque qualquer vantagem que elas possam trazer, nunca compensam a devastação que arrastam atrás de si.
Nem os Senhores Juizes do Supremo Tribunal de Justiça, nem as crianças, ninguém merece sofrer castigos físicos, seja qual for o motivo!
quinta-feira, abril 06, 2006
Anais Nin
Acabei há uns dias “Henry & June, do diário íntimo de Anais Nin” (Ed. Presença). Uma leitura que me abalou profundamente, ainda não sei exactamente (até) onde:
(a) Na revelação de uma pessoa que usa e abusa dos homens, às vezes de forma deliberada e intencional (como com Allendy), outras vezes mais inconscientemente (como com Hugo)?
(b) Na estranheza de eu não conseguir empatizar com a narradora, mas sim com um dos seus “personagens” (Hugo, o marido), ainda por cima nem sequer o mais bem visto?
(c) Na surpresa que vem do facto de a relação com o homem que ela ama apaixonadamente (Henry Miller) se começar a degradar dentro de si própria por causa de um pequeno episódio de impotênca por parte dele (páginas 151 e seguintes) – o que revela uma inesperada pequenez (ou insegurança?) por parte dela?
(d) Naquilo que me parece ser o seu fascínio pela agressividade, força e brutalidade da masculinidade de Henry Miller? E na sua profunda desilusão quando o mesmo H.M. revela facetas mais frágeis, inseguras e infantis?
(e) Na revelação de uma incapacidade de vivência de um desejo liberto de sombras? (Alguma vez isto é possível, mesmo no coração de uma juventude que nunca chegou a existir, pergunto-me eu?)
(a) Na revelação de uma pessoa que usa e abusa dos homens, às vezes de forma deliberada e intencional (como com Allendy), outras vezes mais inconscientemente (como com Hugo)?
(b) Na estranheza de eu não conseguir empatizar com a narradora, mas sim com um dos seus “personagens” (Hugo, o marido), ainda por cima nem sequer o mais bem visto?
(c) Na surpresa que vem do facto de a relação com o homem que ela ama apaixonadamente (Henry Miller) se começar a degradar dentro de si própria por causa de um pequeno episódio de impotênca por parte dele (páginas 151 e seguintes) – o que revela uma inesperada pequenez (ou insegurança?) por parte dela?
(d) Naquilo que me parece ser o seu fascínio pela agressividade, força e brutalidade da masculinidade de Henry Miller? E na sua profunda desilusão quando o mesmo H.M. revela facetas mais frágeis, inseguras e infantis?
(e) Na revelação de uma incapacidade de vivência de um desejo liberto de sombras? (Alguma vez isto é possível, mesmo no coração de uma juventude que nunca chegou a existir, pergunto-me eu?)
quarta-feira, abril 05, 2006
sexta-feira, março 24, 2006
Sufoco
Aqui, neste lugar estreito, as pessoas acreditam que, para se afirmarem, têm de fazer o deserto à sua volta, isto é, têm de destruir tudo o que os outros fizeram (real ou metaforicamente). Desde o canalizador à investigadora universitária.
No entanto, nenhuma obra nasce do nada, nenhum saber é propriedade exclusiva de um só; na verdade, tudo o que somos e fazemos não o seríamos nem o faríamos sem os outros. É da mais elementar evidência que o mérito de algo que eu consiga fazer não me pertence em exclusivo... mas raríssimos são os que fazem a justiça de o admitir. Terão consciência, ou a suspeita de que a sua obra é medíocre, pelo que só brilhará se diminuirem ou fizerem desaparecer todas as outras?
Atravesso o dia a ouvir dizer mal do que os outros são, do que fazem e do que não fazem: pessoas a escorrer veneno e raiva, pessoas a usar o seu pequeno poder para desagregar e ferir.
País triste e amargo.
No entanto, nenhuma obra nasce do nada, nenhum saber é propriedade exclusiva de um só; na verdade, tudo o que somos e fazemos não o seríamos nem o faríamos sem os outros. É da mais elementar evidência que o mérito de algo que eu consiga fazer não me pertence em exclusivo... mas raríssimos são os que fazem a justiça de o admitir. Terão consciência, ou a suspeita de que a sua obra é medíocre, pelo que só brilhará se diminuirem ou fizerem desaparecer todas as outras?
Atravesso o dia a ouvir dizer mal do que os outros são, do que fazem e do que não fazem: pessoas a escorrer veneno e raiva, pessoas a usar o seu pequeno poder para desagregar e ferir.
País triste e amargo.
domingo, março 19, 2006
Teresa Balté
Autodidáctica
Contantemente aprende, conhece-te, define-te, sê persistente, procura o teu caminho, só teu, o autêntico; não te desvies, não te enganes a ti mesmo, não imites os outros nem te imites, se ouvires o chamamento não te escondas, segue a voz em ti, ousa-te. Como dizer "sê tu" sensatamente? Como prever catástrofes futuras? Confia; nada tens a perder senão a vida, e se foste tu não te perdeste. Mas se entretanto te descobrires poeta, não te deixes vencer pela melancolia.
(Um dos textos sob o título "Brevíssimas para o que não será Uma Carta a um Jovem Poeta", no JL 924 de 1 de Março de 2006. Teresa Balté publicou agora Poesia Quase Toda nas ed. Asa.)
Digo eu: tão difícil, tão difícil...
Contantemente aprende, conhece-te, define-te, sê persistente, procura o teu caminho, só teu, o autêntico; não te desvies, não te enganes a ti mesmo, não imites os outros nem te imites, se ouvires o chamamento não te escondas, segue a voz em ti, ousa-te. Como dizer "sê tu" sensatamente? Como prever catástrofes futuras? Confia; nada tens a perder senão a vida, e se foste tu não te perdeste. Mas se entretanto te descobrires poeta, não te deixes vencer pela melancolia.
(Um dos textos sob o título "Brevíssimas para o que não será Uma Carta a um Jovem Poeta", no JL 924 de 1 de Março de 2006. Teresa Balté publicou agora Poesia Quase Toda nas ed. Asa.)
Digo eu: tão difícil, tão difícil...
domingo, março 12, 2006
Dia Internacional da Mulher (8 de Março)
Bread and Roses
As we go marching, marching, in the beauty of the day,
A million darkened kitchens, a thousand mill lofts gray,
Are touched with all the radiance that a sudden sun discloses,
For the people hear us singing: Bread and Roses! Bread and Roses!
As we go marching, marching, we battle too for men,
For they are women's children, and we mother them again.
Our lives shall not be sweated from birth until life closes;
Hearts starve as well as bodies; give us bread, but give us roses.
As we go marching, marching, unnumbered women dead
Go crying through our singing their ancient call for bread.
Small art and love and beauty their drudging spirits knew.
Yes, it is bread we fight for, but we fight for roses too.
As we go marching, marching, we bring the greater days,
The rising of the women means the rising of the race.
No more the drudge and idler, ten that toil where one reposes,
But a sharing of life's glories: Bread and roses, bread and roses.
Our lives shall not be sweated from birth until life closes;
hearts starve as well as bodies; bread and roses, bread and roses.
(lá longe, oiço a Judy Collins a cantar esta belíssima marcha...)
As we go marching, marching, in the beauty of the day,
A million darkened kitchens, a thousand mill lofts gray,
Are touched with all the radiance that a sudden sun discloses,
For the people hear us singing: Bread and Roses! Bread and Roses!
As we go marching, marching, we battle too for men,
For they are women's children, and we mother them again.
Our lives shall not be sweated from birth until life closes;
Hearts starve as well as bodies; give us bread, but give us roses.
As we go marching, marching, unnumbered women dead
Go crying through our singing their ancient call for bread.
Small art and love and beauty their drudging spirits knew.
Yes, it is bread we fight for, but we fight for roses too.
As we go marching, marching, we bring the greater days,
The rising of the women means the rising of the race.
No more the drudge and idler, ten that toil where one reposes,
But a sharing of life's glories: Bread and roses, bread and roses.
Our lives shall not be sweated from birth until life closes;
hearts starve as well as bodies; bread and roses, bread and roses.
(lá longe, oiço a Judy Collins a cantar esta belíssima marcha...)
domingo, março 05, 2006
Por uma vez gostaria de encontrar pessoas modestas, pessoas com quem eu me pudesse sentar, no chão de preferência, abandonado e sem ter que manter nenhuma pose. Alguém com quem falar de pássaros e de sol, sem ter de ser profundo ou engraçado. Pessoas com quem ter uma conversa modesta, uma amizade modesta, tudo nada de especial mas, mesmo assim, tudo simples e seguro.
Escreveste um texto. Descobres depois que a ideia já foi desenvolvida por outro, que há até frases quase plagiadas. É o asco, a repulsa.
Atrever-te-ás a eliminar tudo o que é suspeitosamente parecido, o texto todo se necessário? Não o farás: com aquela esperança trémula de não seres descoberto que, na infância, prenunciava o desastre mais humilhante. E fatal...
Atrever-te-ás a eliminar tudo o que é suspeitosamente parecido, o texto todo se necessário? Não o farás: com aquela esperança trémula de não seres descoberto que, na infância, prenunciava o desastre mais humilhante. E fatal...
quinta-feira, março 02, 2006
"Recordo-me de como eu lhe disse uma vez que se paga um preço por ser-se bom tal como se paga por ser-se mau; há um preço a pagar. E são os homens bons que não podem recusar a factura quando ela aparece. Não a podem recusar porque não há maneira de os obrigarem a pagá-la, tal como um homem honesto que joga à sorte. Os homens maus podem recusá-la; é por isso que ninguém espera deles que paguem à vista ou noutra altura qualquer. Mas o bom não pode. Talvez leve mais tempo ser-se bom do que ser-se mau. (...)"
William Faulkner, A Luz em Agosto
William Faulkner, A Luz em Agosto
quarta-feira, março 01, 2006
domingo, fevereiro 26, 2006
Amiga
Ao ler este post da Maria Heli comecei a pensar no que seria um(a) amigo(a) para mim.
Depois esforcei-me por não me deixar enredar por frases feitas ou bonitinhas, isto é, procurei o mais autêntico em mim...
...e nos amigos que tenho (a quem devo as definições seguintes e que acabam por constituir uma cartografia do meu universo de amizades).
Não sei se consegui.
Eis o resultado:
Uma amiga...
... é alguém a quem não pedimos que escolha, alguém que nem sequer tem de escolher, mas que, mesmo assim, nos escolhe a nós.
... é aquela que nos diz: a ti clonava-te!
... é a pessoa acerca de quem nos perguntamos frequentemente: será que estou a ser um bom amigo para ela? E se a resposta se aproxima da negativa, o nosso sentimento de culpa é avassalador.
... é alguém que, quando nos fala, nós ficamos a saber que o dia mudou e mudou para melhor!
... é alguém que nos diz: não estás só, a porta da minha casa está aberta para ti!
Depois esforcei-me por não me deixar enredar por frases feitas ou bonitinhas, isto é, procurei o mais autêntico em mim...
...e nos amigos que tenho (a quem devo as definições seguintes e que acabam por constituir uma cartografia do meu universo de amizades).
Não sei se consegui.
Eis o resultado:
Uma amiga...
... é alguém a quem não pedimos que escolha, alguém que nem sequer tem de escolher, mas que, mesmo assim, nos escolhe a nós.
... é aquela que nos diz: a ti clonava-te!
... é a pessoa acerca de quem nos perguntamos frequentemente: será que estou a ser um bom amigo para ela? E se a resposta se aproxima da negativa, o nosso sentimento de culpa é avassalador.
... é alguém que, quando nos fala, nós ficamos a saber que o dia mudou e mudou para melhor!
... é alguém que nos diz: não estás só, a porta da minha casa está aberta para ti!
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
É assim...
Aqui encontram uma das razões porque chego a casa exausto, depois de um dia de trabalho na escola, sem força nem disponibilidade para ir sequer à net ou à caixa do correio, quanto mais aos blogues. Por favor, leiam, tomem conhecimento. E ajudem. Se puderem. Nós, os professores, não sabemos o que fazer.
terça-feira, fevereiro 07, 2006
Manias
A MaDi propõe-me o desafio das 5 manias. E eu aceito-o.
Primeiro que tudo, fui ao dicionário:
Mania:
"do Lat. mania < Gr. manía, loucura
s. f., espécie de perturbação ou excitação caracterizada por aferro a uma ideia fixa;
fig., mau costume; desejo imoderado, excessivo; excentricidade, esquisitice, extravagância".
E pensei: eu não tenho manias que cheguem a 5! Bom, a verdade é que já vou em 13!
Não se assustem, divulgo apenas uma espécie de Greatest Hits, para não chatear.
E introduzo uma inovação: indico aqueles que eu sei, ou suspeito, que mais se queixam delas.
Cá vão as manias de:
1 - Me levantar e ir trabalhar excessivamente cedo (colegas de trabalho);
2 - Dar sermões (o meu filho e os meus alunos);
3 - Usar o telemóvel com alguma (na minha opinião) parcimónia (os meus amigos);
4 - Considerar sempre injustificado o bater-se em crianças (toda a gente, excepto as crianças);
5 - Provocar acidentes por cumprir as regras de trânsito... bem, e às vezes por não as cumprir (os outros condutores)!
De repente, sou assaltado por uma dúvida: será que adquiri mais duas novas manias, a de continuar a minha lista privada e a de descobrir a dos outros?
Primeiro que tudo, fui ao dicionário:
Mania:
"do Lat. mania < Gr. manía, loucura
s. f., espécie de perturbação ou excitação caracterizada por aferro a uma ideia fixa;
fig., mau costume; desejo imoderado, excessivo; excentricidade, esquisitice, extravagância".
E pensei: eu não tenho manias que cheguem a 5! Bom, a verdade é que já vou em 13!
Não se assustem, divulgo apenas uma espécie de Greatest Hits, para não chatear.
E introduzo uma inovação: indico aqueles que eu sei, ou suspeito, que mais se queixam delas.
Cá vão as manias de:
1 - Me levantar e ir trabalhar excessivamente cedo (colegas de trabalho);
2 - Dar sermões (o meu filho e os meus alunos);
3 - Usar o telemóvel com alguma (na minha opinião) parcimónia (os meus amigos);
4 - Considerar sempre injustificado o bater-se em crianças (toda a gente, excepto as crianças);
5 - Provocar acidentes por cumprir as regras de trânsito... bem, e às vezes por não as cumprir (os outros condutores)!
De repente, sou assaltado por uma dúvida: será que adquiri mais duas novas manias, a de continuar a minha lista privada e a de descobrir a dos outros?
domingo, fevereiro 05, 2006
Fama
O desejo que as pessoas têm da fama! Porquê?
Uma hipótese: a fama traz uma promessa de poder e este torna-se um substituto do amor; pobre, sem dúvida, mas que distrai eficazmente dessa falta (Claro que o amor a que aqui me refiro é aquele que é doce, quente, reconfortante e securizante, não à paixão).
Calhou por acaso eu ter sido convidado para o aniversário da discoteca Lux. Quando estava na fila para entrar, passaram à nossa frente 3 jovens espectacularmente bonitas, mas de ar inexpressivo e duro. Comentei: estas devem ser bailarinas que vão aqui actuar. Disseram-me (rindo): não, estas são as famosas X, Y e Z! Fiquei perplexo: jovens, já com ar de velhas endurecidas, que eu confundi com umas quaisquer stripteasers!
Porque a fama devasta tudo. Lembro-me de há uns anos ter assistido a um fórum na BBC, com um larguíssimo número de intervenientes, subordinado ao tema: “Como a fama destruiu a minha vida”. A nota unânime era o reconhecimento da quase completa impossibilidade de evitar que isso acontecesse.
Ambrose Bierce, Dicionário do Diabo, Tinta da China:
"Famoso, adj. Conspicuamente miserável."
Uma hipótese: a fama traz uma promessa de poder e este torna-se um substituto do amor; pobre, sem dúvida, mas que distrai eficazmente dessa falta (Claro que o amor a que aqui me refiro é aquele que é doce, quente, reconfortante e securizante, não à paixão).
Calhou por acaso eu ter sido convidado para o aniversário da discoteca Lux. Quando estava na fila para entrar, passaram à nossa frente 3 jovens espectacularmente bonitas, mas de ar inexpressivo e duro. Comentei: estas devem ser bailarinas que vão aqui actuar. Disseram-me (rindo): não, estas são as famosas X, Y e Z! Fiquei perplexo: jovens, já com ar de velhas endurecidas, que eu confundi com umas quaisquer stripteasers!
Porque a fama devasta tudo. Lembro-me de há uns anos ter assistido a um fórum na BBC, com um larguíssimo número de intervenientes, subordinado ao tema: “Como a fama destruiu a minha vida”. A nota unânime era o reconhecimento da quase completa impossibilidade de evitar que isso acontecesse.
Ambrose Bierce, Dicionário do Diabo, Tinta da China:
"Famoso, adj. Conspicuamente miserável."
Balanço
Há um ano e alguns meses que estou separado.
Bom: viver o dia a dia em tranquilidade interior, sem a pressão nas vísceras por estar a fazer algo de menos, de errado ou, pelo menos, de criticável.
Mau, verdadeirmente Mau: não ter o meu filho comigo (eu, que estava habituado a estar com ele o tempo todo, excepto o que ele passava na escola).
Apesar desta dor, valeu a pena? Valeu.
Bom: viver o dia a dia em tranquilidade interior, sem a pressão nas vísceras por estar a fazer algo de menos, de errado ou, pelo menos, de criticável.
Mau, verdadeirmente Mau: não ter o meu filho comigo (eu, que estava habituado a estar com ele o tempo todo, excepto o que ele passava na escola).
Apesar desta dor, valeu a pena? Valeu.
domingo, janeiro 29, 2006
Um verso...
... com que acordei hoje de manhã:
"A amada é bem a infância que vem ter comigo"
Uma busca na net. Um encontro com Ruy Belo no site nEscritas de Margarida Lopes e Paula Matos.
O elogio da Amada
Ei-la que vem ubérrima numerosa escolhida
secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados
Vem sentada na nova primavera
cercada de sorrisos no regaço lírios
olhos feitos de sombra de vento de momento
alheia a estes dias que eu nunca consigo
Morde-lhe o tempo na face as raízes do riso
começa para além dela a ser longe
A amada é bem a infância que vem ter comigo
Há pássaros antigos nos límpidos caminhos
e mortes como antes nunca mais
Ei-la já que se estende ampla como uma pátria
no limiar da nossa indiferença
Os nossos átrios são para os seus pés solitários
Já todos nós esquecemos a casa dos pais
ela enche de dias as nossas mãos vazias
A dor é nela até que Deus começa
eu bem lhe sinto o calcanhar do amor
Que importa sermos de uma só manhã e não haver em volta
árvore mais açoitada pelos diversos ventos?
Que importa partirmos num desmoronar de poentes?
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão
multiplicando-lhe a ausência que importa
se onde pomos os pés é primavera?
Dedicatória in Aquele Grande Rio Eufrates
"A amada é bem a infância que vem ter comigo"
Uma busca na net. Um encontro com Ruy Belo no site nEscritas de Margarida Lopes e Paula Matos.
O elogio da Amada
Ei-la que vem ubérrima numerosa escolhida
secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados
Vem sentada na nova primavera
cercada de sorrisos no regaço lírios
olhos feitos de sombra de vento de momento
alheia a estes dias que eu nunca consigo
Morde-lhe o tempo na face as raízes do riso
começa para além dela a ser longe
A amada é bem a infância que vem ter comigo
Há pássaros antigos nos límpidos caminhos
e mortes como antes nunca mais
Ei-la já que se estende ampla como uma pátria
no limiar da nossa indiferença
Os nossos átrios são para os seus pés solitários
Já todos nós esquecemos a casa dos pais
ela enche de dias as nossas mãos vazias
A dor é nela até que Deus começa
eu bem lhe sinto o calcanhar do amor
Que importa sermos de uma só manhã e não haver em volta
árvore mais açoitada pelos diversos ventos?
Que importa partirmos num desmoronar de poentes?
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão
multiplicando-lhe a ausência que importa
se onde pomos os pés é primavera?
Dedicatória in Aquele Grande Rio Eufrates
domingo, janeiro 22, 2006
Fernando Namora
sábado, janeiro 21, 2006
Escrever
(pequenos recortes que fui guardando ao longo dos anos e que agora, com as arrumações, vou encontrando)
De novo Gilles Deleuze:
"Não escrevo contra alguém ou alguma coisa.
Para mim escrever é um gesto absolutamente positivo: é dizer o que se admira e não combater o que se detesta.
Escrever para denunciar é o mais baixo nível de escrever.
Em contrapartida, é verdade que escrever implica que há qualquer coisa que não está bem no estado da questão que se deseja tratar.
Que se não está satisfeito.
Direi assim: escrevo contra a ideia feita.
Escreve-se sempre contra as ideias feitas."
Ou seja, contra o esquecimento e contra a distracção. Pelo menos, para mim.
Denunciar é um nível baixo de escrita, na minha opinião, apenas quando se torna num tique daquele que escreve. Daí eu fazer da denúncia um uso parcimonioso.
De novo Gilles Deleuze:
"Não escrevo contra alguém ou alguma coisa.
Para mim escrever é um gesto absolutamente positivo: é dizer o que se admira e não combater o que se detesta.
Escrever para denunciar é o mais baixo nível de escrever.
Em contrapartida, é verdade que escrever implica que há qualquer coisa que não está bem no estado da questão que se deseja tratar.
Que se não está satisfeito.
Direi assim: escrevo contra a ideia feita.
Escreve-se sempre contra as ideias feitas."
Ou seja, contra o esquecimento e contra a distracção. Pelo menos, para mim.
Denunciar é um nível baixo de escrita, na minha opinião, apenas quando se torna num tique daquele que escreve. Daí eu fazer da denúncia um uso parcimonioso.
domingo, janeiro 15, 2006
O texto que "merece existir"
"Creio que um livro, se merece existir, pode ser apresentado sob três aspectos rápidos. Só se escreve um livro digno se
1) se pensa que os livros sobre o mesmo tema ou tema próximo caíram todos numa espécie de erro global (função polémica do livro);
2) se pensa que alguma coisa de essencial foi esquecida sobre o assunto (função inventiva);
3) nos consideramos capazes de criar um novo conceito (função criativa).
E, claro, isto é um mínimo: um erro, um esquecimento, um conceito..."
(Gilles Deleuze a Arnaud Villani)
Ponho a hipótese de estes critérios também se poderem aplicar à escrita nos blogs.
1) se pensa que os livros sobre o mesmo tema ou tema próximo caíram todos numa espécie de erro global (função polémica do livro);
2) se pensa que alguma coisa de essencial foi esquecida sobre o assunto (função inventiva);
3) nos consideramos capazes de criar um novo conceito (função criativa).
E, claro, isto é um mínimo: um erro, um esquecimento, um conceito..."
(Gilles Deleuze a Arnaud Villani)
Ponho a hipótese de estes critérios também se poderem aplicar à escrita nos blogs.
Sempre que morre alguém que me é próximo, para além de sentir a dor da perda, fico mudo com tudo o que se perde com essa morte, afectos, saberes, intervenções.
No filme Blade Runner, Roy Batty (Rutger Hauer), um andróide à beira de morrer, diz a Rick Deckard (Harrison Ford):
(cliquem para ouvir)
"I've seen things you people wouldn't believe...
Attack ships on fire off the shoulder of Orion...
I watched c-beams glitter in the dark near the Tannhauser Gate...
All those moments will be lost in time like tears in the rain...
Time to die."
No filme Blade Runner, Roy Batty (Rutger Hauer), um andróide à beira de morrer, diz a Rick Deckard (Harrison Ford):
(cliquem para ouvir)
"I've seen things you people wouldn't believe...
Attack ships on fire off the shoulder of Orion...
I watched c-beams glitter in the dark near the Tannhauser Gate...
All those moments will be lost in time like tears in the rain...
Time to die."
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