domingo, dezembro 05, 2010

"Fala Comigo"

A Peste – Associação de Pesquisa Teatral levou à cena o espectáculo “Fala Comigo” com um texto inspirado numa peça de Tennessee Williams. Fui assistir anteontem e vim de lá entusiasmadíssimo. Aqui ficam alguns apontamentos.

Início: As minhas palavras não fazem justiça à excelência do espectáculo. Portanto, peço a quem me ler que tenha sempre presente que o espectáculo é mais e melhor do que o que aqui é dito.

Um. Apesar de o espectáculo dar liberdade para escolhermos o modo como nos queremos posicionar, a fim de podermos usufruir do máximo que tem para dar, ele vai surgindo como se de uma peça musical se tratasse, como se ali em cena estivesse a ser interpretada uma espécie de Fuga.

Dois. Aqui o tema do sexo como género permeia todo o desenrolar da peça. Na verdade, não há categorias, não há masculino e feminino definidos do princípio ao fim, mas antes um continuum que vai desde a masculinidade mais grosseira até à feminilidade mais pura. Independentemente do sexo dos actores que lhes dão corpo e voz.

Três. O texto em si é fabuloso. A interpretação não fica atrás. Percorre todos os cambiantes, desde o mergulho vertiginoso à distância embrutecida; desde a fala arrebatada à exposição depurada. Em todos os casos, o texto brilha no absoluto silêncio que, do princípio ao fim, se instala entre o público.

Quatro. A simplicidade de meios e de recursos, longe de ser um obstáculo à vivência do espectáculo, pelo contrário, permite-lhe um fluir por aquele espaço que os actores partilham connosco e que preenchem soberanamente com o seu corpo e com o seu texto.

Quinto. A peça alimenta-se, entre outras coisas, de contrastes sucessivos, como já referi anteriormente. Aqui quero falar da degradação do ser humano, principalmente associada a um desejo estéril de fuga. Mas quero principalmente falar da “Cantiga de Alevantar”, uma impressionante canção, de resistência, de José Mário Branco. E dos rostos, dos olhares, limpos mas duros e questionadores, dos actores sobre nós os espectadores… à espera, para sempre à espera que nós realizemos, que nós mudemos, que nós preservemos qualquer coisa de claro e luminoso nestes tempos sombrios por onde tanta coisa boa se escoa, se esboroa.

Fim. O final fortíssimo, a fazer jus a toda a peça. Como se os actores e o encenador, eles, nos quisessem dizer, queimando a nossa alma, todos o nossos sentidos: “Não se esqueçam, não se esqueçam do que aqui viram e ouviram”.

Não esqueceremos.
 
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Entrada gratuita. Ainda 5ª e 6ª feira, dias 9 e 10 de Dezembro pelas 21:30, campus de Gambelas da UAlg, no Laboratório de Teatro e Artes Performativas da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Reservas pelo telefone 289 800 914 (Horário: segunda a sexta-feira, 9h00-12h30 e 14h00-17h30).


Adenda: Publicado aqui

José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes

Ouvi dizer que o filme tem estado a ter pouca afluência em Portugal.
Custa-me a acreditar. Mas é possível.
É possível que haja muita gente que tenha, para já, perdido a oportunidade de assistir a um filme extraordinariamente bem feito. E bonito. E enriquecedor.
Podia não ser com José Saramago e com a paixão da sua vida, Pilar del Rio.
Porque este filme, que vive por si, é uma obra de arte do realizador Miguel Gonçalves Mendes (lembram-se de Floripes?).
Mas ainda bem que foi com Saramago e com Pilar. Seres humanos com falhas, claro. Mas que lutam para conseguirem viver com dignidade. Para passarem essa dignidade a todos os seres humanos. E isso é uma constante que atravessa o filme todo.
Como o amor que os une.
Inesquecível.
Imperdível.

 Adenda: Publicado aqui

sábado, novembro 13, 2010

Miúdos com NEE's

Anteontem, quando cheguei ao centro, a dona disse-me que eu iria substituir uma professora doente. Quando ouviu isto, o Diogo (um dos "meus" pequenitos, este de 7 anos e com muitas, muitas dificuldades) levantou-se e veio abraçar-me, encostando a carita às minhas pernas.

Fez-me recordar uma outra dimensão minha como professor: o afecto profundo e duradouro que sempre suscitei nos miúdos com NEE's, sem eu nunca conseguir perceber realmente porquê.

Lembro-me do Rui, um miúdo com NEE´s muito profundas. Foi integrado nas minhas aulas de Matemática durante um ou dois anos. Depois, quando me via, parava-me e fazia sempre a mesma pergunta: "Quando é que és meu professor?". Ao que eu invariavelmente respondia: "Para o ano, Rui, para o ano." Passámos anos nisto. Depois ele saiu.

Um dia, veio visitar a escola. Estava eu no refeitório a conversar com alguém. Ali, embora afastada de mim, estava também a Sandra, a chefe do refeitório (talvez a pessoa mais amada e respeitada em toda a escola; uma excelente pessoa e uma excelente profissional, isso posso eu assegurar). O Rui vinha ao longo do corredor e viu-nos. Pára e hesita. Finalmente, decide-se: no seu andar sincopado vem direito a mim e atira-se-me ao pescoço!

Aqui fica a minha saudade desses miúdos tão especiais com quem partilhei muitos passeios, muitas aulas, muitos dias no clube da Matemática e muitos, muitos almoços em alegre convívio na cantina da escola: o Rui, claro, mas também o Pedro, a Patrícia, a Elsa, o Marco e tantos, tantos outros que eu nunca esquecerei...

sábado, outubro 23, 2010

Fernando Nobre para Presidente da República


5ª feira preenchi e assinei o formulário da candidatura de Fernando Nobre à Presidência da República.

Na minha opinião, um Presidente da República deve ter o seguinte perfil: deve ter ideais, estar temperado pelas lutas por esses ideais, ter enfrentado algumas derrotas, estar habituado a lidar com os grupos de pressão e de poder para lhes resistir e conseguir fintá-los, ser simpático para a população em geral para ficar imune às campanhas que os meios de comunicação social inevitavelmente farão a mando dos seus donos e, finalmente, ter a coragem de fazer o que achar que é o melhor para o país.

Fernando Nobre encaixa neste perfil? Não exactamente. Aliás, não acho que seja uma mais-valia ele não ser um político profissional - falta-lhe assim alguma da prática a que me refiro no parágrafo anterior.

Mas não é tíbio nas suas posições e está habituado a ser muito persistente. Pode residir aí boa parte da sua força e da sua resistência.

E é, sem dúvida nenhuma, infinitamente melhor que o inútil que lá está agora. Disse inútil? Perdão, queria dizer o cúmplice do criminoso que, com uma maioria absoluta, arrastou o país para a ruína. E, não satisfeito com a sua cobardia (Jorge Sampaio, esse foi um Presidente que não teve medo de demitir um governo quando viu que o país iria ficar desgraçado) bem como com o facto de ter sido o principal responsável, quando primeiro ministro, por se ter desbaratado a oportunidade de modernizar o país com os fundos da antiga CEE, ainda tem a desfaçatez de pensar em recandidatar-se!

Acedito na integridade de Fernando Nobre.
Acredito que tem qualidades para ajudar a reconstruir um país minado pelas malfeitorias promovidas e perpetradas pelo gang que nos tem governado nos últimos anos.

quinta-feira, outubro 07, 2010

18 anos...

... faz hoje o meu filho.
Fui a Lisboa almoçar com ele e voltei para o Algarve para ir trabalhar.
Sobre todos os acontecimentos marcantes da vida de uma pessoa (e aqui é tanto o filho como os pais) ou se diz muito ou não se diz nada. As emoções que me atravessam são tantas e tão boas que vou recolher-me no silêncio.
Desejo-lhe do mais profundo e intenso do meu coração as maiores felicidades e uma vida plena e inteira.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Quando nos querem a trabalhar num sítio...

Tenho aulas durante a manhã e parte da tarde.
Depois, durante o resto da tarde até à noite, vou trabalhar para o centro de explicações.
Aqui, a dona já me garantiu que, quando acabar o curso, posso ali dar consultas (ainda mal comecei o 1º ano!). Claro que 5 anos é muito tempo, mas é bom saber que alguém aprecia o nosso trabalho.
Aliás, quando lhe disse que precisava de tempo para estudar, que não podia fazer o que fiz no ano passado (dar explicações a todas as disciplinas até ao 9º, excepto Físico-Químicas, além de dar também Matemática, Inglês e Português do secundário), ela propôs-me dar explicações sem precisar de gastar tempo a prepará-las, pois outra professora as prepararia.
E, assim, vou lá duas a três horas por dia, sem ter trabalho nenhum antes, o que é muito bom. Devo confessar que ela foi impecável comigo, de facto (deve ser é um bocadinho chato para a outra professora, não sei).

domingo, outubro 03, 2010

And now for something completely... silly!

Depois de ter passado o dia a estudar Psicologia, I want to be silly!



Quando fiz o curso de teatro, António Feio falava-nos de Rowan Atkinson com imensa admiração, pela sua capacidade de fazer sketches incrivelmente cómicos a partir de quase nada. É o caso deste aqui.

sexta-feira, outubro 01, 2010

Prazo e balanço

Ontem acabou o prazo para interromper a minha licença sem vencimento a fim de, no próximo ano lectivo, regressar à escola pública.
Tirando o eu adorar ensinar e dar aulas, não há razão nenhuma que me faça sequer considerar a hipótese de voltar. Portanto, não volto.

Devo, aliás, confessar: nunca, em toda a minha existência, me senti a viver tão plenamente feliz como agora! Meter a licença, vir para o Algarve (onde as pessoas se têm revelado de uma imensa simpatia e afabilidade), para esta bela casa, e estar com a Adriana (e com a nossa "família" de animaizinhos - 2 cães, 2 gatos e 2 periquitos) foi, portanto, a coisa mais iluminadamente sensata que eu alguma vez fiz.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Início de ano lectivo em grande!

Comecei com o curso e comecei com as explicações.

Quanto ao curso, estou entusiasmadíssimo! Com os conteúdos, com as condições que são dadas aos alunos para eles poderem aprender mais e melhor (em comparação com o meu curso de há 30 anos os alunos, hoje, são uns privilegiados na completa acepção do termo!) e com os métodos de ensino (muito mais adequados ao que é ensinado). Tenho imensa pena de, estando a trabalhar, não poder aproveitar integralmente tudo isto (vou ter, por exemplo, de fazer algumas disciplinas por exame pois não tenho tempo para fazer todos os trabalhos de grupo).

E as explicações... como eu gosto de ensinar! Uma explicação de Matemática que eu dê e fico quase no cume da plenitude! Apesar de não apreciar grandemente o ensino por explicações. Que pena. Bom, não vou perder tempo a pensar nisso.

domingo, setembro 19, 2010

Publicidade

Aderi ontem ao Facebook. Por razões profissionais, essencialmente. Daí que os dados que lá introduzi tenham uma componente forte de propaganda. São todos verdadeiros, evidentemente. Mas não pertencem à minha intimidade (tirando a relationship e, de certa forma, o álbum de fotos "Os meus afectos", porque ambos se referem a pessoas cujas ideias e maneiras de estar na vida me constituem referências fundamentais).

No entanto, incomodou-me um pouco fazer isto. A publicidade baseia-se essencialmente no auto-elogio, esperando-se que as pessoas acreditem no que é dito em causa própria, nem que seja à força da repetição. A mim parece-me, porém, absurda tal assunção. Só que ela está, certamente, fundada em dados incontroversos por parte dos publicitários. Seja como for, a verdade é que a credulidade das pessoas, quando dela sou testemunha, nunca deixa de me surpreender.

Assim, lá fiz publicidade a mim próprio. Mas com factos e apreciações de outros, não pondo nada do que eu penso de mim mesmo (ah, talvez apenas indirectamente, pelas escolhas que fiz!).

                                                                                                    (imagem tirada daqui)

Adenda às 19:42:
Pensando bem, a minha própria credulidade, depois de eu ter sido vítima dela, nunca deixa também de me surpreender!

sábado, setembro 18, 2010

Indomabilidade

Ontem foi a última sessão da Universidade de Verão - Estudos Sobre o Mediterrâneo. Esta actividade consistiu num conjunto de eventos (palestras, laboratórios e visitas guiadas) com a finalidade de dar a conhecer algumas áreas trabalhadas pelos professores da Universidade do Algarve. Foram duas semanas em Loulé cheias de interesse e de entusiasmo.

Recordo a palestra "La Conformación Poliédrica de la Identidad Española: del Atlántico al Mediterráneo". A uma dada altura, a Mestre Maria de Jesus Botana Vilar perguntou à assistência qual era a primeira ideia que vinha à cabeça das pessoas quando se falava do povo espanhol. A resposta imediata foi: orgulho. E Maria de Jesus confirmou que essa era a resposta habitual que recebia.

Lembrei-me das Festas de Ayamonte, em que a Adriana e eu fomos a um espectáculo da Banda do Samouco na Casa da Cultura. Um grupo de deficientes profundos estava também a assistir ao concerto. Chamou-nos a atenção a forma como eles se deslocavam pela sala (alguns tiveram de ir várias vezes à casa de banho a meio da sessão): sem arrogância nem ridículo, mas de cabeça levantada e com uma postura a todos os títulos plena de dignidade.

Lembrei-me também de José Mendes Cabeçadas Júnior, um homem sempre inconformado, lutando sempre por um país melhor e que nunca se vergou a nenhum poder:  desde 1910, em que participa na revolução republicana, até 1965, ano da sua morte, a sua vida é uma sucessão de revoltas, conspirações, batalhas pessoais, tudo em prol de um ideal de democracia. Sem nunca esmorecer, sem nunca se resignar. Esta é a foto sua (do Museu da República) que mais aprecio: parece que Mendes Cabeçadas nos interpela directamente, sem agressividade mas também sem passividade ou medo.

Há, sem dúvida, qualquer coisa que falta aos portugueses de hoje.

(Nota: A Câmara Municipal de Loulé, nas comemorações do centenário da República, promoveu a edição de um pequeno livro de banda desenhada, de José Carlos Fernandes e de Roberto Gomes, intitulado "José Mendes Cabeçadas Júnior - Um Espírito Indomável", de onde tirei o título deste post.)

sexta-feira, setembro 17, 2010

Novo visual


Quem me conhece daqui dos blogs sabe que a imagem que sempre usei no meu perfil foi esta: Leonard Cohen (May you live as long as you like, and have what you like as long as you live!) nos anos 60, na ilha de Hydra, Grécia (hoje tirada daqui). É o cantor estrangeiro mais próximo do meu coração desde a minha juventude e, como nesta foto ele está de costas, escolhi-a para me representar.
Acompanhando o início daquele que espero ser um dos últimos reajustamentos na nova direcção que a minha vida tomou, decidi mudar o visual do blog e o meu perfil.
É com pena, confesso, que me "descolo" desta fotografia que me acompanhou na web durante os últimos 7 anos. Aqui fica a sua memória.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Novo blog... em Psicologia!

Vou iniciar a licenciatura de Psicologia na Universidade do Algarve.
Decidi abrir um novo blog dedicado às "coisas" exclusivamente da Psicologia.
O primeiro post é dedicado aos meus Mestres Psicólogos.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Vergílio Ferreira - Ser Professor

A relação de Vergílio Ferreira com o ensino é uma relação de prisão, de sofrimento, de inconformismo com tudo o que é menor na Educação.

A única coisa que alivia este "peso", esta "condenação", "chatice", "degradação", "afrontosa invasão de uma vida que me nega", etc, etc, é o bom aluno: o que sente apetência pelo saber, o que tem disponibilidade dentro de si para apreciar esse saber, o que trabalha e se esforça por obter um acesso priviligiado ao núcleo, à essência desse saber.

Hoje ainda há alguns, poucos é certo, bons alunos. Mas, tirando em algumas escolas bafejadas pela sorte, a sua voz e a sua presença encontram-se abafadas em turmas onde, por imposição de sucessivos governos, a selvajaria se tem vindo a impôr cada vez mais.

Hoje Vergílio Ferreira ou não aguentaria ou nunca seria o Vergílio Ferreira que foi...

Para mim, este (Vergílio Ferreira - O Excesso da Arte num Professor por Defeito ) é um livro triste.

Fez-me lembrar outros tempos onde se podia imaginar ser o outro professor que Vergílio Ferreira invoca, por oposição ao desautorizado mensageiro, burocrata programado do saber e escravo de horários embrutecedores, em que o docente de hoje se tornou.

terça-feira, setembro 14, 2010

Redesenhar o futuro

Ontem formalizei uma nova direcção para a minha vida.
Tendo concorrido em Agosto aos concursos especiais para tirar uma licenciatura na universidade, consegui obter uma vaga em Psicologia. E ontem matriculei-me.

Porquê Psicologia? Porque tenho bastantes conhecimentos nessa área, porque gosto muito e porque é uma profissão que não implica necessariamente "conseguir arranjar um emprego", posso abrir um consultório.

Hoje em dia, nas áreas tenológicas, ou se se manteve actualizado ou fica-se de fora. Além disso, a idade é um factor extremamente negativo. Aliás, recomenda-se aos profissionais nestas áreas que, a partir dos 35 anos, comecem a pensar mudar para uma carreira de gestão ou comecem a pensar em montar um negócio próprio. Quem não faz isso arrisca-se a perder tudo. Deste modo, o meu curso de Engenharia Civil, tirado há mais de 30 anos, hoje em dia revela-se pouco mais que inútil.

Psicologia - uma nova direcção, um novo horizonte que se abre à minha frente: estou muito entusiasmado!

terça-feira, setembro 07, 2010

Vergílio Ferreira e o professor "pau para toda a obra"

Vergílio Ferreira escreveu o que se segue em 1942 (os parágrafos e os negritos são da minha responsabilidade):

"À força de voltar os olhos para a criança, esqueceu-se um pouco que o professor também existe.
Ora, se o sujeito que recebe o ensino deve ser considerado antes de mais nada, não é menos verdade que o ensino é, apesar de tudo, uma relação e que se devem encarar os dois termos dessa relação.
Além disso não se deve ter a ficçao do professor "apto para tudo". Ele tem, também, a sua individualidade.
O professor deve perguntar a si mesmo: como vou organizar o meu ensino de maneira a utilizar o melhor possível as minhas aptidões particulares?
Porque há, entre os mestres, todas as variedades: espíritos concretos, abstractos, há os que têm uma eloquência segura, os que a têm hesitante, científicas, literárias, etc.
E nem sempre se está bem adaptado ao género de ensino exigido. Eis porque é preciso encarar também o problema da individualização do ensino, a formação dos mestres. Haveria muitas reformas a fazer. [...]
O conhecimento mesmo perfeito da teoria metodológica não pode por si só assegurar a perfeição do professor, da mesma forma que a ciência médica, só, não faz os bons médicos. [...]
Porque a pedagogia, dissemo-lo ao começar e repetimo-lo ao acabar, não é somente uma ciência, mas também uma arte. E a arte é um dom fino, delicado, mas incomunicável."

A actualidade deste texto torna-o muito adequado ao ano lectivo que se inicia. Há também que reconhecer o pensador profundo e extraordinariamente lúcido que Vergílio Ferreira foi. E podemos lembrar-nos que este texto ganha novos sentidos sabendo como hoje não se liga à necessidade do saber científico do professor e, por consequência, não se tem pejo em afirmar que um professor já o não é de um saber, mas de variados e múltiplos (nem interessa bem quais, desde que se possa pô-lo a fazer qualquer coisa).

(Maria Almira Soares, Vergílio Ferreira - O Excesso da Arte num Professor por Defeito, Difel, Lisboa, 2010 pp. 115/116)

sexta-feira, setembro 03, 2010

Vergílio Ferreira - Professor, apesar de...


O meu amigo Méon, sabendo que Vergílio Ferreira é o meu escritor preferido (na verdade, é muito, muito mais do que uma simples preferência), ofereceu-me este livro interessantíssimo.

A capa é fabulosa. A imagem aqui não lhe faz a devida justiça. A fotografia perfeita de um Vergílio Ferreira sereno e pensativo; uma antiga caneta de tinta permanente aberta sobre uma página, presumivelmente escrita pelo próprio; tudo isto compondo uma imagem que suscita uma enorme comoção. Tudo nimbado por um tom a meio caminho entre o sépia e o rosa. A contracapa é o natural complemento: livros. De tal maneira tudo isto está perfeito que olho para este livro como contemplo uma obra de arte; há muito tempo que isto não me acontecia.

Vou a meio da sua leitura. É um livro para múltiplas leituras. Relevo aqui duas:
- Para mim esta tem sido a mais marcante: o reencontro com o escritor com quem estava habituado a "dialogar" durante a sua vida, obra após obra.
- Mas, igualmente estimulante, acompanhando a forma sofrida e reflectida como Vergílio Ferreira viveu a profissão de professor (que ele não amou), e o modo como Maria Almira Soares nos guia nessa descoberta e nesse conhecimento, somos levados a (re)pensar esta profissão, e a repensarmo-nos nela.

Tenho tomado imensas notas, em resposta a tanta coisa que é referida por Maria Almira Soares neste seu trabalho, que inclui numerosos inéditos do escritor. Se achar que algumas dessas notas poderão ser interessantes de registo, voltarei aqui.

Mas não tenho dúvidas em afirmar: trata-se de um excelente livro - para ser manuseado, para ser contemplado, para ser lido, para ser relido. Obrigado, Méon!

quarta-feira, setembro 01, 2010

Ferida

Dia 1 de Setembro. Início do ano lectivo nas escolas. Vou-me distanciando a pouco e pouco. Mas muito pouco.


A minha decisão de abandonar uma carreira de 24 anos de professor, ditada por um conjunto esmagador de condições, nomeadamente,

- impedirem-me de ensinar o que sei;

- obrigarem-me a ensinar o que não sei;

- recusarem-me a formação necessária à adaptação;

- submeterem-me a uma avaliação rigorosamente pormenorizada nestas condições;

- estar sujeito a todo o tipo de indignidades (palavrões, insultos, ameaças e agressões);

- ser objecto de desprezo de toda uma sociedade, a começar no governo e a acabar nos alunos;

- sentir-me impotente face à arbitrariedade e à tirania (Não sou só eu. E ainda continua actualmente. Recordo as palavras do Provedor de Justiça: "Perante a insuficiente resposta da Ministra da Educação, considerou o provedor de justiça, (...), não poder haver lugar a outra intervenção útil", informa. Por isso, o processo foi arquivado., Público, 13/8/2010);

- ser suposto eu ter de obedecer a regras e a leis criminosamente absurdas (como, por exemplo, as que me impedem de proteger , cuidar e ajudar os alunos mais fracos e vulneráveis),

abriram uma ferida que eu acho que nunca conseguirei vir a fechar.

sábado, agosto 28, 2010

Bob Dylan Covers

Daqui a 200 anos Bob Dylan será ouvido e tocado e cantado como hoje o é Beethoven, disso não tenho dúvidas quase nenhumas (apesar de ele não ser o meu cantor/autor preferido).

Um critério possível da perenidade de uma canção ou de um cantor poderá ser o número de covers que gerou.

De acordo com o registo feito (e em permanente actualização) em DylanCover.com, até 23 de Agosto de 2010 foram contabilizados 30.910 covers de canções de Bob Dylan!

Talvez a minha canção preferida de Bob Dylan seja Visions of Johanna, na interpretação que ele faz no conhecido por "The Royal Albert Hall Concert" e que aparece no 4º volume das Bootleg Series. Algumas imagens aparecem no documentário de Scorsese, "No Direction Home":

Visions of Johanna from ramonramon on Vimeo.


Uma versão cover desta canção muito, muito do meu agrado é a de Marianne Faithful:




A terminar, talvez a minha versão cover preferida de uma canção de Bob Dylan: It's All Over Now, Baby Blue, cantada por Eric Burdon and The Animals:




Uma nota final acerca destas duas canções: terão em comum o poderem referir-se ao fim da relação de Bob Dylan com Joan Baez. Tal nunca foi confirmado por Bob Dylan.

domingo, agosto 22, 2010

Explicação da história triste de uma (quase) revolta

A primeira greve de professores da era Sócrates/Lurdes teve uma adesão ínfima. Foi uma informação preciosa para estes governantes, pois ficaram a saber que tudo lhes era permitido, que tudo se poderia fazer e dizer dos professores, que tudo se poderia pôr os professores a fazer. Mas desde que não se tocasse no ordenado destes (por mais baixo e sem evolução que eles o pusessem) e, consequentemente, na segurança e no futuro das suas famílias.

Os professores impunham, no entanto, uma condição que aqueles responsáveis não tiveram a sensibilidade de perceber. Essa condição era que não os responsabilizassem, de facto, pelos actos que executariam em obediência às fantasias delirantes desses mesmos governantes.

Animados pela apatia dos professores e depois de terem congelado ordenados, aumentado brutalmente o horário de trabalho na escola, destruído a carreira docente, Sócrates e Lurdes vão tentar impor-lhes um sistema de avaliação muito mais exigente. Isto é, um sistema que obriga os docentes a responsabilizarem-se e a serem responsabilizados por esses mesmos actos que ficaram obrigados a executar.

É nesta altura, e apenas nesta altura, que a contestação dos professores explode: executar actos que vão contra toda a sensibilidade ética e todo o bom senso era uma coisa; outra, completamente diferente, era tornar os professores responsáveis por esses mesmos actos. Na verdade, se até aí todas as medidas tomadas não fizeram mais do que agitar levemente a grande massa dos docentes, é com este sistema de avaliação absurdo (que, por exemplo, em cada ano obriga a dar mais notas positivas do que no ano anterior) que surge a revolta generalizada que, aliás, vai procurar pôr, tardiamente, tudo em causa.

Numa sociedade sem valores, sem solidariedade, fraca, individualista, realmente a única fidelidade que ainda sobra (sendo, de facto, a mais invocada por todos os que recuaram na luta que se seguiu, incluindo pelos dirigentes sindicais que traíram colegas e sindicatos) é a que se refere à sua própria família.

Trair, mentir, fechar os olhos, falsificar resultados, etc., não constituem (ainda, pelo menos) uma segunda natureza de pessoas que, até pelo tipo de profissão que abraçaram, são habitualmente honestas e verdadeiras. Tornaram-se, no entanto, numa competência profissional, afinada e posta em jogo nas escolas com eficácia por pressão dos governantes. Que manipulam os docentes jogando subliminarmente com esse reduto sagrado para a generalidade das pessoas que é a protecção da família.

E quase todos caíram nesta armadilha perversa: eu testemunhei casos de, como já disse, dirigentes sindicais, mas também de conselhos directivos (recordo que bastou um, um Conselho Directivo apresentar a sua demissão para Lurdes vir, assustada, para os jornais dizer que tinha sido mal interpretada), de docentes em topo de carreira, tudo pessoas que pouco teriam a temer. Mas que, apesar disso, também eles optaram por abandonar a luta. Em nome da segurança familiar.

Nota final. Onde me situo eu nesta triste história? Exactamente no meio. Esta também foi a minha experiência. Apesar de fazer todas as greves, de ir a todas as manifestações, eu também fui engolindo até à náusea tudo o que o par Sócrates/Lurdes foi-nos obrigando a fazer (incluindo concorrer e tornar-me professor "titular"). A minha revolta também só nasceu com a tentativa de imposição daquele sistema de avaliação. A única pequena (digo-o com vergonha e sem ironia) diferença é que levei a luta até ao fim, bati-me inclusivamente pela sua radicalização (defendi que ela deveria começar por incluir greves da fome), mas acabei por, não sei bem... fugir?, recusar-me a ser cúmplice comprado? Talvez ambas as coisas.

terça-feira, agosto 17, 2010

Promessa, de Vergílio Ferreira


Comecei agora a ler este livro de 1947, nunca antes publicado. Da Introdução de Fernanda Irene Fonseca e de Helder Godinho respigo este pedaço:

"É o seu primeiro romance «de ideias», para que escolheu um epígrafe de Hegel, reveladora do influxo das leituras de obras filosóficas que tinha começado a fazer nessa época."

Trabalho de leitura, de estudo e de investigação que Vergílio Ferreira nunca mais deixou de fazer desde então. E do qual, nós leitores, fomos dando conta através dos romances, diários e ensaios que foi escrevendo, pois era neles e através deles que Vergílio Ferreira elaborava a sua reflexão sobre essas leituras.

De repente, dou-me conta em toda a sua dimensão que toda a obra de Vergílio Ferreira se baseou num profundo saber filosófico e artístico. Veja-se: 22 volumes de ficção, 12 de diário e... 13 de ensaios!

Pergunto-me: que escritor português apresenta uma obra, dividida deste modo, com tal extensão, profundidade e beleza, sim, Beleza, entre o Pensar e o Sentir?

Não cometo a injustiça de aplicar esta pergunta aos contemporâneos, pois hoje mal lhes sobra tempo para escrever bem (digo isto sinceramente, não com ironia, mas com muita pena, deles e de nós, sociedade que tanto perde com esta ausência de tempo) e para não serem completamente ignorantes.

Não, atenho-me até a um passado recente. Eduardo Prado Coelho poderia aproximar-se, se não se distribuísse por tantas formas de arte e de filosofia e se tivesse escrito ficção (o que não fez) - aliás, é curioso que Vergílio Ferreira se sentia feliz quando conseguia ler uma novidade no campo das ideias antes de EPC o ter feito, e disso dava conta no seu Conta-Corrente.

Alexandre Herculano? Almeida Garrett? Oliveira Martins? A verdade é que, como Vergílio Ferreira, não há muitos mais.

sábado, agosto 14, 2010

Tal Ben-Shahar - My Best Career Advice

Tal Ben-Shahar

Question: What is the best career advice you've ever received?

Tal Ben Shahar: The best advice that I got was from my philosophy teacher, Ohad Kamin.
After graduating from college and feeling very lost, I went to him, and his advice was:
"Tal, think about the things that you want to do and write them down. Then look at these things and identify the things that you really want to do, and write these down. And from those things, identify the things that you really, really want to do, and then go ahead and do it".
You know, life is short. We don't have that much time. And it's too short to do what we feel that we have to do; it's barely long enough to do what we want to do.


(via)

Vivi quase toda a minha vida dominado pelo medo dos outros, procurando não ir muito contra o que os outros queriam de mim; quando não correspondia ao esperado era por ter ainda mais medo de outra coisa qualquer. Em suma, fui sempre aceitando o que os outros decidiam muito mais do que fui impondo a minha vontade ou as minhas preferências.

Confesso que tenho de agradecer a Jorge Pedreira, secretário de estado da educação, o início de uma orientação diferente para a minha vida. Em Dezembro de 2008, ele apareceu na televisão com ameaças aos professores. Para mim, era a gota de água numa vida mergulhada no medo, numa vida delineada pelo medo, numa vida controlada pelo medo. O que aconteceu naquele momento foi ter percebido que, com aquelas ameaças, Jorge Pedreira me estava a impedir de escolher em liberdade e que eu não podia, dum ponto de vista ético, fazer mais nada senão desobedecer-lhe. A verdade é que, logo a seguir, agonizei com o medo. Só que de repente fiquei farto de toda uma vida "agonizada" no medo. E, silenciosamente, com uma raiva absoluta, tomei a decisão de lutar com todas as minhas forças para que nunca mais as escolhas da minha vida viessem a ser condicionadas pelo medo.

Tem sido um caminho difícil, construído com muitas inseguranças e com muita ansiedade. Mas tenho alguém ao meu lado que me apoia a cem por cento neste meu crescimento, pelo que também tem sido um caminho extremamente compensador, não há palavras para o descrever. Sei que já tenho 52 anos e que é um pouco tarde para recomeçar tudo de novo, para eu começar a fazer as coisas que realmente quero fazer no tempo de vida que me resta... ah, mas só o estar neste caminho, só o tentar já vale tanto a pena que jamais irei recuar neste meu propósito.

Ontem, ao dar com o site onde Tal Ben-Shahar aparece a dizer o que pus no início, acabei a concordar com ele com toda a força da minha alma!

quarta-feira, agosto 11, 2010

Tortura e médicos da CIA

The Journal of American Medical Association publicou um relatório que denuncia o facto de médicos da CIA terem participado em programas que visam aumentar a eficácia das torturas sobre prisioneiros suspeitos de terrorismo. O mesmo já havia sido revelado pelos Physicians For Human Rights.

(via)

O repúdio e o asco são a resposta imediata e natural. Mas se nos abrirmos à lógica de quem defende este tipo de opções, conseguimos identificar as suas (e as nossas?) vozes. Todos nós já as ouvimos de outros; ou, já numa ou noutra altura das nossas vidas, elas foram nossas. E aquele repúdio não passa então, no fundo, de uma forma de auto-ilusão. Porque, depois, na prática, paralisamos. Essas vozes poderiam ser assim:


Reparem, isso não é assim tão mau como querem fazer parecer. Aliás, se não fossemos nós, os actos praticados nos interrogatórios seriam muito mais brutais, nós até funcionamos como uma forma de travão possível face à decisão de torturar, ajudamos a estabelecer limites aceitáveis (ao contrário do que acontece nos países de onde esses terroristas são originários).

Eu penso: o meu filho ou a minha filha estão em risco de morrerem ou de ficarem mutilados num ataque terrorista. Então o que, no fundo, eu estou a fazer é construir uma garantia para que esses ataques nunca mais possam ocorrer. Contemplações com terroristas? Que não têm quaisquer escrúpulos em matar indiscriminadamente? Isso é que seria verdadeiramente estúpido.

Além disso, a verdade é que se trataram de ordens, não era algo que pudéssemos escolher fazer ou não. As ordens são para se cumprirem, sem obediência é a sociedade toda que se desmorona. Temos o dever, moral e legal, de obedecer. Mesmo quando algumas dessas ordens nos parecem pouco lógicas ou humanas.

E é preciso não esquecer que eu tenho filhos para criar, uma família para sustentar. Não posso dar-me ao luxo de perder este emprego. Ainda por cima, se não fosse eu, outro qualquer faria o mesmo: de que valeria a minha recusa? Só arranjaria sarilhos para mim e para a minha família.

Etc.


Perceber que isto não é de todo aceitável, que os meios nunca podem justificar os fins (porque são os meios que fazem os fins), ter a coragem de ser consequente, para evitar o alastrar da banalidade do mal, tudo isto é uma tarefa sempre urgente e necessária, embora seja também uma tarefa imensamente espinhosa e difícil. E que nunca tem um fim.

quinta-feira, agosto 05, 2010

The Devil In You


A propósito do lançamento do último livro de Bret Easton Ellis, Imperial Bedrooms, foi colocado este site na internet. Serve para, muito perversamente, termos uma ideia de quanto de mal temos em nós. Para explicações mais completas em português, ir ao site do Jornal de Letras. Depois, decidir o que fazer.

Sem desculpas: eu fui e "The devil in me" foi de 6% - "You made the moral choice... eventually." E fiquei-me por aqui. Porque sou bonzinho? Não sei. Como isto é um jogo e eu sei o que esperam de mim, não o faço. Não é porque possa fazer realmente mal a alguém, visto que está tudo gravado. Não, é só por mim; por isso, mesmo não havendo ninguém a saber o que eu fizesse, não o faço, nem farei.

terça-feira, agosto 03, 2010

O fim das reprovações: algumas reflexões

À primeira reprovação de um aluno, seguem-se muitas vezes novas retenções ou até o abandono escolar. A constatação é de Álvaro dos Santos, presidente cessante do Conselho de Escolas, e é um dos argumentos que levou este órgão consultivo do Ministério da Educação a defender, antes mesmo da ministra lançar o debate, que "em regra não deve haver retenção de alunos" no ensino primário nem secundário geral.


Este é o argumento que vem das Ciências da Educação para justificar a medida de acabar com as reprovações.

É claro que, dum ponto de vista estatístico, a reprovação atrai a reprovação! O número dos que reprovam hoje em dia é tão reduzido que os poucos a quem isso acontece são casos verdadeiramente desesperados e, normalmente, após anos e anos de passagens sem saber o suficiente. Logo, são alunos que sabem tão pouco e que foram reprovados tão tardiamente, que já não têm grandes hipóteses de passar de ano dado o seu quase irremediável atraso. Não admira que continuem a chumbar nos anos seguintes.

Mas peguemos apenas no raciocínio feito e verifiquemos a sua validade. Um raciocínio paralelo que se poderia fazer seria o seguinte: como todos sabemos que, à primeira pena de prisão de um criminoso, se seguem novas penas ou até o mergulho prolongado numa carreira do crime (com o que aprendem nas prisões e com os contactos que lá fazem), logo a conclusão deveria ser a de acabar com as prisões...

Um outro erro de raciocínio é que só nos centramos na escassa minoria que reprova. E quanto à extensíssima maioria que passa? É que eu atrevo-me a pensar que a esmagadora maioria dos alunos que passam só estuda porque tem medo de reprovar.
Atente-se na estrada onde nem sequer a forte probabilidade de matar e/ou morrer - não estamos a falar de simples chumbos - é travão suficiente para adultos "responsáveis" cumprirem o que se espera deles. Não, apenas o medo da polícia à vista os faz ser um pouco mais cumpridores.
Na minha opinião (e lembremo-nos dos nossos tempos de estudantes em que, tal como os alunos de hoje, não percebíamos para que é que era preciso estudar a maior parte das matérias) é o medo de reprovar o principal estimulante do estudo. Sem esse medo, tudo o que o aluno achar desinteressante ou inútil não será estudado.

Mas suponhamos mesmo assim que a reprovação só faz mal. Será que alguém acredita que um aluno que não reprovou, isto é, que passou sem saber o suficiente, no ano seguinte vai passar a estudar muito mais para recuperar a matéria passada e para aprender a desse novo ano? Eu não acredito.

Voltemos ainda à minoria que, apesar do perigo de chumbar, não estuda o suficiente. É verdade que um primeiro chumbo como que abre caminho a posteriores chumbos. Ou seja, quem já chumbou uma vez passa a considerar que chumbar nem é tão mau assim; ou que, face ao fracasso, o desânimo começa a ganhar à esperança; ou que, passado um primeiro estremecimento, passar ou não passar é tudo indiferente. Já vi ocorrerem estes três casos. Mas a minha experiência diz-me que estes alunos são uma minoria dentro da minoria dos que chumbam. O resto não quer voltar a passar pela experiência. E aqueles que tiveram a sorte de serem avaliados com honestidade têm muito boas hipóteses de, com o seu próprio esforço e com a ajuda dos professores (que só funciona quando os alunos querem ser ajudados), passarem no ano seguinte.

Finalmente, para os professores o fim dos chumbos é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, perdem mais uma parcela do ínfimo poder que ainda detêm na escola (o que é assustador), por outro lado, na verdade podem começar a levar uma vida muito mais honesta.
E esta última hipótese atrai-me muito: os professores ficariam livres de dar as notas/avaliações que entendessem seriamente atribuir, sem o medo e sem as coacções que hoje em dia os torturam. No final, todos os alunos obteriam os mesmos diplomas, mas uns teriam as notas, verdadeiras e autênticas, de que se poderiam legitimamente orgulhar (ao contrário de hoje em dia em que as notas pouco ou nada significam).

domingo, agosto 01, 2010

Antígona, de Sófocles

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé...



...mas eu li esta versão de Helena Rocha Pereira, edição da Gulbenkian.

Sejamos francos: que posso eu dizer aqui que não tenha já sido dito milhares de vezes e de milhares de maneiras diferentes? A resposta é simples: nada! Ressalvado isto, adiante.

Trata-se de uma absoluta obra-prima, de poucas páginas e com milhares de leituras possíveis e provavelmente todas legítimas. Veja-se, por exemplo, que, sobre qual o tema ou o significado desta tragédia os especialistas ainda não chegaram a um consenso.

Assim, sinto-me à vontade para dizer que, primeiro que tudo, gostei de ler nesta peça o tema da inflexibilidade face à possível desonra, pois Antígona é drástica e intransigente perante aquilo que considera ser o seu dever em relação à sua consciência (Ismena também sabe qual o seu dever, mas abstém-se de se opor ao poder que a impede de o realizar). Secundariamente, o tema do lugar das mulheres no que se refere ao poder que é, muitas vezes (e Creonte fá-lo frequentemente), identificado com a masculinidade.

Vejo também Antígona (que aparece pouco) como o centro de toda a acção, visto que a sua postura inquebrantável põe todos os outros em causa. Além disso, apesar da sua intransigéncia e aparente posição rígida e unilateral, Antígona parece-me ser a personagem mais complexa e multifacetada da peça. Ela surge-nos como a voz não só da paixão pela justiça e pela verdade; mas também da beleza da acção boa e correcta; da responsabilidade perante a sua própria consciência (mesmo quando invoca os deuses); da coragem publicamente assumida; da recusa em curvar-se não só perante o poder, mas também às suas próprias desgraças; do império do amor sobre o ódio ("Não nasci para odiar, mas sim para amar"); da recusa de uma solidariedade feita mais de palavras do que de acções; e da de alguém que treme face ao suplício (por se sentir abandonada pelos deuses, um pouco como Cristo, aliás), mas que, logo a seguir, se recompõe e assume o seu destino.

Ismena é, no início, a voz da sensatez, lúcida, porém resignada e conformista. Depois, consegue vencer a sua fraqueza e exigir um castigo igual ao de Antígona, que esta aliás recusa.

Creonte é a voz do poder autoritário e inseguro, que à sua volta só vê fraqueza, cupidez e ânsia de poder como todos os que se habituaram a vencer pela força e pelo medo. E, claro, apenas mal se sente amedrontado é a derrocada total, revelando então a sua essencial mediocridade.

Hémon é a voz da razão adulta e ponderada, que domina completamente a paixão para melhor conseguir convencer seu pai (sem sucesso, claro, pelas razões que apresentei no parágrafo anterior). Depois, arrastado pelo desespero, liberta toda a violência do seu amor apaixonado, dirigindo-a contra si próprio.

O Coro é a voz de quem procura estar sempre consciente do que é melhor para a comunidade e, talvez por isso, é o melhor ouvinte, despreconceituado e objectivo, de toda a peça. Destaque-se a Ode ao Homem.

Tirésias é a voz daquele que conhece o passado e o futuro, é a voz do sábio. Que, note-se, é o único a conseguir vencer Creonte; para tal, usa apenas a sua sabedoria e a sua inteligência, e são estas que conseguem derrotar a mediocridade arrogante de Creonte.

Eurídice é a voz, silenciosa e digna, da dor e do desepero.

O Guarda. Faço aqui uma pausa. Sim, custa-me admiti-lo, mas esta é a voz de todos nós: a do medo do sofrimento e a da esperança de se safar custe o que custar. Mas nada melhor do que deixar aqui as suas próprias palavras, quando entrega Antígona a Creonte, que revelam toda uma vida, as nossas, no fundo:
"Acusámo-la das acções passadas e presentes; não negou coisa alguma, com prazer e pena minha, ao mesmo tempo. Porque isto de uma pessoa escapar de uma calamidade [o guarda tinha sido ameaçado de morte terrível se não encontrasse o culpado] é o melhor que há; mas é penoso levar à ruína aqueles que se estimam. Porém, tudo isto vale menos para mim do que a minha própria salvação." (434-441)

Sim, todos sonhamos ser Antígona. Mas não somos nunca (apesar de haver exemplos, Gandhi é um deles, sem dúvida). Se ao menos conseguíssemos ser Ismena, nem que fosse uma vez na vida, já não teríamos que nos envergonhar completamente. Lamentavelmente, porém, passamos toda a nossa vida a ser o Guarda; e, na maior parte do tempo, revelamos ser muito menos lúcidos do que ele...

Uma livro fantástico, absolutamente imperdível.

sexta-feira, julho 30, 2010

A Vida Em Surdina, de David Lodge

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.


O tema principal é óbvio: a surdez, experimentada pelo autor. Tinha de ser. Há coisas que aqui são descritas que implicam um conhecimento pessoal e íntimo deste tipo de aflição. Mas também a velhice é aqui retratada nos seus múltiplos aspectos.

Sendo assim, o que impede este livro de causar uma depressão ou de se tornar numa leitura penosa? O humor, claro. Com largas doses do self-deprecating humour, de que falo no post anterior.

Não se trata de um humor jocoso, destruidor, mas um humor que nos inclui, tolerante e amigável (raramente chega a ser ácido). Repare-se que David Lodge descreve a procura de uma dignidade para a surdez, empreendimento parcialmente conseguido. E elabora um retrato muito completo de uma humanidade simples, relativamente fraca, mas que procura fazer o melhor sem ceder excessivamente à tentação de fazer o mal. O tom usado é, portanto, de um humor suave, que nos mantém a sorrir ao longo de quase toda a leitura.

Sub-temas aqui presentes, entre outros: a universidade, com os seus professores e alunos cada vez mais problemáticos (nada diferente de Portugal); o sistema de saúde (também igual ao nosso país, o que é um mau sinal...); a morte, nas suas diferentes vertentes (suicídio, eutanásia, assassínio, doença); e destaco uma referência a Auschwitz porque, depois de já tudo parecer ter sido dito, David Lodge consegue ser simples e não repetitivo.

Em suma, um livro que pode parecer de literatura light (ouvi essa apreciação), mas não o é. Trata-se de um livro brilhante, mas escondido atrás de uma modéstia que nasce da simplicidade.

Uma última palavra para a tradução que é muito boa. David Lodge, consciente das dificuldades de tradução deste livro, dedica-o a todos seus tradutores. Tânia Ganho merece-o.

sábado, julho 24, 2010

Os blogues de Pedro Mexia. O Humor.

A minha escolha (1)

Alguém que mal me conhece definiu assim uma série de agruras recentes: «abuso e sujidade». É isso mesmo. Escolho então a liberdade e a higiene. Antes correr riscos do que sentir nojo.

A minha escolha (2)

Antes ter amargos de boca do que ficar com boca de lacaio.



Gosto de tudo o que Pedro Mexia escreve no seu blogue, Lei Seca: textos de crítica (política, poesia, teatro, cinema), textos sobre os costumes (muitas vezes são pretexto para desenvolver uma expressão pessoal), textos memorialísticos, textos de afirmação pessoal como o acima transcrito, etc.


Confesso, no entanto, se bem que com alguma vergonha, que a minha preferência vai para os seus textos de humor. Mas ele não usa qualquer tipo de humor, nem usa outros como objecto desse humor. Ele desenvolve o seu humor tomando-se a si próprio como objecto. Trata-se do "self-deprecating sense of humour", o meu tipo de humor favorito. Acho que Pedro Mexia é o mais brilhante cultor deste tipo de humor em Portugal.

Um exemplo é este aqui, tirado do Lei Seca.

Outro, tirado do livro Fora do Mundo:

Perguntam-me frequentemente porque escrevo tanto sobre assuntos sexuais. Deixem-me responder assim: segundo Wole Soyinka, o grande tema da literatura etíope é a comida.

sexta-feira, julho 23, 2010

Enquanto trabalhei em escolas, passei muito do meu tempo em pé, visto que nunca me sentava na aulas.
Este ano trabalhei num centro de explicações (e em casa a prepará-las) e senti todo o meu estado físico geral a deteriorar-se. Apesar de manter uma actividade física regular. Agora sei porquê.
Parece ser o tempo que permanecemos sentados que está fortemente correlacionado com o risco de morte. A actividade física pode reduzir essa correlação nalguma coisa, mas muito pouco. Não, é o tempo sentado que é determinante... tenho que mudar de trabalho, não quero morrer tão cedo!
Pormenores da investigação aqui.

quinta-feira, julho 22, 2010

A prática da compaixão

In a west London kitchen in March last year, film actor Charlie Cox and his old school friend Ned Gammell were hatching a plan. The pair were members of the Galileans, a group formed in 2005 by 14 friends who decided it was time to turn the daft schemes they were always cooking up in the pub into reality.
(Reader's Digest, Março 2009)

Para além de conseguirem fundos para caridade, uma das coisas que fizeram foi isto, respondendo a um apelo de outra organização de caridade, a Starlight (basicamente, a Starlight procura que crianças com doenças terminais ou gravíssimas possam ver satisfeito o desejo ou o objectivo da sua vida).

É este tipo de poder que eu realmente admiro. Não o que se obtém pela política, não o dos chefes nos empregos, não o do dinheiro. É este: poder fazer algo pelos outros e fazê-lo.
Não me refiro simplesmente ao voluntariado que, aliás, admiro muito (e que eu próprio já fiz). Refiro-me a pessoas que sabem com clareza o que está mal, ou deficiente, na nossa sociedade e tomam a iniciativa de fazer alguma coisa para o remediar.

Penso que isto é marca mais do protestantismo. É-o, creio que seguramente, do cristianismo. Lembro-me de ter lido algures o Dalai Lama a dizer que o budismo, com toda a sua ética fundada na compaixão, tinha muito a aprender com o cristianismo: onde era precisa ajuda, concreta e presencial, viam-se muitos mais cristãos que budistas.

Em Portugal, temos entre outros, Fernando Nobre que começou pelos Médicos Sem Fronteiras e depois fundou a AMI.

quarta-feira, julho 21, 2010

A "revisão constitucional" de Passos Coelho

Querer mexer nos poderes do presidente da república resulta, claro, da óbvia constatação da absoluta nulidade que tem constituído a actuação de Cavaco Silva. Como são ambos do psd, isto devia ser um problema que deviam resolver em privado e não na praça pública.

Gandhi dizia que o único critério válido para se avaliar da qualidade de uma lei era saber se ela beneficiava os mais pobres de entre os pobres.

Porque é que ao ouvir Passos Coelho estou novamente a ouvir velhas, velhas e podres mentalidades? E fico com a sensação que, mais uma vez e sem surpresa, o alvo são sempre os mais fracos e desprotegidos - aliás, Passos Coelho não fala de outros para limitar as despesas do Estado. Porque não se ouve uma medida que limite o poder dos mais fortes sobre os mais fracos, ou que dê mais defesas a quem está mais desprotegido e mais pobre.

O jovem Passos Coelho, e com ele a maior parte dos jovens deste país, não passam todos de uns velhos disfarçados. Que miséria!...

terça-feira, julho 20, 2010

Sobre o mal - Obama


Disse Obama (antes de ser eleito):

Evil does exist. I think we see evil all the time. We see evil in Darfur. We see evil, sadly, on the streets of our cities. We see evil in parents who viciously abuse their children.

Eu não sei se é verdade que o mal exista. Que ele surge à nossa frente, sob muitas formas diferentes, disso não tenho dúvida nenhuma. A minha experiência directa com o mal é antiga e prolongou-se até ao ano passado. Eu, na escola, estive face a face com o mal por várias vezes, tanto da parte de alunos (chegando a incluir agressões, por vezes quase mortais, a alunos mais fracos) como de pais (incluindo até ameaças de morte aos filhos).

And it has to be confronted. It has to be confronted squarely.

Eu tento, mas devo confessar que não consigo... quer dizer, ainda não consigo lá muito bem. Há na violência dos outros algo que, se eu estiver sozinho (isto é, se eu não tiver o apoio da lei e da instituição atrás de mim, como acontece na escola), me paralisa e me faz sofrer profundamente: já experimentei reagir com meios não violentos (foram os que me deram mais força para continuar a resistir); já experimentei reagir com ameaças de violência (tenho de admitir a contragosto e tristemente que foram as mais eficazes); já experimentei ignorar (é a pior de todas as hipóteses).
Hoje em dia reconheço que não consigo vencer a violência dos outros sem usar de violência pessoal. Porém, esta é-me estruturalmente quase uma impossibilidade...

One of the things that I strongly believe is that we are not going to, as individuals, be able to erase evil from the world. That is God’s task. But we can be soldiers in that process, and we can confront it when we see it. The one thing that is very important is for us to have some humility in how we approach the issue of confronting evil, because a lot of evil has been perpetrated based on the claim that we were trying to confront evil.

Sim, soldados, simples soldados no campo de batalha, completamente sós perante si próprios, sem vitórias mesmo quando "vencedores". Com a humildade de que Obama fala. A mais não consigo aspirar.

quinta-feira, julho 15, 2010

O que sabemos dos outros


Aos 13 anos de idade, Ben Saunders recebeu o seguinte relatório escolar: "Ben lacks sufficient impetus to achieve anything worthwhile."

13 anos depois ele era o 4º indivíduo no mundo a esquiar sozinho, sem qualquer ajuda exterior, até atingir o Pólo Norte; e o mais novo deles todos (em 10 anos).

Actualmente, além das suas actividades desportivas, ele é Embaixador do The Prince's Trust e do Global Angels, bem como Vice-Presidente Honorário da Geographical Association, etc, etc.


A questão aqui é que fazemos julgamentos às vezes com demasiada facilidade, o que podemos considerar normal e necessário para a nossa sobrevivência no dia a dia. O problema é que caímos logo a seguir na condenação, e isto já não é tão realista e pode conduzir a erros cómicos como o acima referido.

Porque nós podemos constatar a realização de uma acção por outra pessoa com alguma fiabilidade. Mas quando fazemos apreciações sobre o seu íntimo realmente não sabemos do que estamos a falar e há toda a probabilidade de estarmos a dizer uma asneira.

quarta-feira, julho 14, 2010

Let´s start again

I like the way the Anglo Saxons say: "Let's start again." In Fance, they go into denial. It is so unexciting, the same systems, the same people from the beginning to the end. (Arki Busson)

Até 31 de Setembro posso dizer que volto à escola para, no ano lectivo de 2011/2012, recomeçar a dar aulas.

Mas estou cada vez mais e mais longe disso: depois de sair pelo meu próprio pé, voltar a ser tratado com total desconsideração pelo governo, receber dele ordens estúpidas e criminosas, ter de desobedecer para, após o inevitável processo disciplinar, ser posto na rua? Não.

Viver em liberdade, ser criador e dono dos meus próprios caminhos, enfim, começar uma nova vida - este, sim, é o meu programa para os próximos anos.

segunda-feira, julho 12, 2010

Ser melhor

Houve um tempo em que se pensou que a ausência de frustração e a recusa de impor interditos à educação dos mais novos seriam os grandes meios para educar em liberdade. Não é verdade. Ao fazê-lo recusámos a possibilidade de os mais jovens crescerem afirmando a sua identidade, face à imperfeição que os constrangia. Em vez disso, demos-lhes (continuamos a dar) o vazio, apenas preenchido por milhões de palavras e de imagens que nada significam pois não representam substância nenhuma.

Acredito que, em face disto, a nossa cultura está a estagnar e a diluir-se nesse enorme vazio em que mergulhámos os jovens. Eu sei que parece que há uma grande actividade cultural, mas são fogos fátuos, porque nada do que é dito, escrito ou feito parece ter consequências ou perdurar no tempo ou no espaço. Nem pode ter porque toda a actividade cultural que pretenda manter viva a cultura terá de se realizar pela subversão, pelo questionamento. E estes conseguem-se, não pela destruição do que existe, não (apenas) pela construção da diferença, mas sim pela invenção e pela criação do melhor.

Penso, portanto, que tem de de se tentar conseguir melhor, de se tentar ser melhor, porque só assim a cultura evolui e se fortalece. A educação de hoje não apela, não espera, não exige o melhor: não admira assim que a cópia esteja a espalhar-se por todos os sectores da sociedade, desde o mais obscuro aluno de uma qualquer escola até ao mais reputado comentador com coluna de opinião num qualquer meio de comunicação social. Queremos ser como os outros, ou, mais raramente, queremos ser o contrário dos outros, o que vem a dar no mesmo. Seja o que for, queremos é todos parecer, não desejamos ser o que nós somos realmente. Nem desejamos saber como podemos aí ser únicos, portanto, os melhores. E, se estiver na nossa mão, não deixamos que alguém queira isso. Tornámo-nos, por consequência, inférteis: onde estão os grandes pensadores, os grandes criadores de ideias fecundas de futuro? Existirão algures? Ou foram eliminados, dissolvidos por esta educação asfixiante e estéril?

Hoje, ao contrário do que querem fazer crer às crianças e jovens, é bem mais difícil criar o nosso próprio lugar de crescimento para atingirmos o melhor de nós próprios (mas é mais fácil do que em épocas passadas). Está-se só nesse esforço. À nossa volta tudo nos empurra para a miséria e para a mediocridade (não admira que continuemos a ter um quinto da população na pobreza). A verdade é que não vale a pena voltarmo-nos para o mundo, para a sociedade a pedir ajuda: ela nunca chegará.

Em suma, só connosco próprios podemos contar para criar esse lugar onde possamos conquistar a excelência do nosso ser.
E conseguir alguma coisa de valor, para nós e para a nossa sociedade.

domingo, julho 04, 2010

Desconhecido Nesta Morada, de Kathrine Kressmann Taylor

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.


Dois amigos alemães, a viver nos EUA, um judeu e o outro não. Este volta à Alemanha em 1932 com a família. Torna-se nazi. Por omissão comete um crime contra um familiar do seu amigo judeu. Segue-se uma vingança terrível.

Um livro curto e simples. Escrito sob a forma de cartas trocadas entre os dois. A autora pretendia denunciar o nazismo, isto em 1938 e perante uma América indiferente ao que se passava na Europa.

O livro permite múltiplas leituras. Mas todas tristes. O ser humano é capaz de todas as traições: em relação a si próprio, aos amigos, ao amor, whatever.

Leio estes livros à procura de uma explicação que me faça "ver" como podem pessoas normais, inteligentes e cultas aderir a estas ondas de ódio apadrinhadas e estimuladas por alguns governos.

quarta-feira, junho 30, 2010

"Cunhas" e outros favores

Qual a diferença entre "Consegui este trabalho/emprego remunerado graças à minha rede de contactos" e "Consegui-o graças à cunha de um amigo/familiar"? Não muito clara. Assim, dispenso as duas. Para alguma consternação de quem pretende ajudar-me.
(Isto pelo menos enquanto não estiver entre a espada e a parede, tenho de acrescentar).

sábado, junho 26, 2010

Depressão

Hoje deixei a depressão instalar-se no meu espírito. E lembrei-me de escrever este post.

Acredito que, a menos que se trate de uma depressão ligeira e ligada a uma altura especifica da vida, nunca se deixa de se ser tendencialmente depressivo a vida toda. Digo isto do mesmo modo que dizemos que será sempre um alcoólico aquele que, entretanto, já parou de beber. Ou seja, que cada dia será sempre uma batalha contra o álcool /a depressão, durante a vida inteira, sem descanso; porque uma distração, uma cedência, e o vício instala-se de novo; sim, acho que a depressão se pode tornar num vício também.
Por outro lado, podemos habituar-nos de tal maneira a combater a depressão que essa luta acaba por se tornar numa segunda natureza e quase já nem damos conta dessa guerra surda. Por fim, parece-nos que já nos livrámos dela para sempre... até ao momento em que, às vezes por causa de um relaxe progressivo, voltamos a cair em depressão.

Dever-se-á partir então para os químicos, para as drogas (legais, claro, mas drogas apesar de tudo) quando nos encontramos dominados pela depressão? A minha posição é negativa (a menos que se trate de depressões profundas, a provocar ideias de suicídio).
O uso de drogas levanta os seguintes problemas (sem preocupação de ordem): habituação, gastos elevados de dinheiro, efeitos secundários às vezes duros e, por vezes, poucos efeitos positivos quanto ao objectivo que se pretende atingir. E, problema não menos importante, o fazer com que nos coloquemos numa posição de vítima que não ajuda a que mudemos a situação em que vivemos, nem ajuda a que nos mudemos a nós próprios; e, ainda por cima, passamos a viver com mais um medo e mais uma dependência.

Mas qual a alternativa para as drogas? Obviamente, a psicoterapia: para aprender a lidar com a depressão; a limitar os seus efeitos e poder; e, eventualmente, a fazê-la desaparecer da nossa vida porque passamos a conduzi-la e a controlá-la melhor.

Tudo, mas mesmo tudo o que aqui escrevi baseia-se na minha experiência pessoal com a depressão. Portanto, se por um lado este testemunho não tem qualquer valor científico, é importante que se diga, por outro não é um relato académico, teórico, é um testemunho vivo.

Para terminar: hoje não a eliminei, mas consegui afastá-la para um sítio onde não me incomodasse demasiado.

terça-feira, junho 22, 2010

Viver a vida

Acabou-se o trabalho das explicações, agora que os exames estão feitos.
Tempo para reflectir.

Trabalhar muito e durante muitas horas. A única desculpa que pode haver para isso é ou o desespero, ou ganhar muito dinheiro. Comigo, não se verifica nenhuma das duas condições.
Então para quê persistir nesta senda? Para quê este esforço?
Poderia a resposta ser: para daqui a uns anos poder trabalhar menos e ganhar bastante.
Bem, para começar, esses anos teriam de ser poucos, pois eu já tenho 52. Mas não será nada disso que se prevê, quaisquer que sejam esses anos. Com a extensão da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, para que servirão as explicações? Que valor terão elas? Quanto estarão os pais dispostos a pagar? A resposta a todas estas perguntas é obviamente nada, ou quase nada.

A profissão de professor, no verdadeiro sentido da palavra, daquele que ensina e não o que apenas tem de entreter e fingir que ensina, essa profissão está em vias de extinção.

Sabendo que jamais vou conseguir ganhar para uma vida desafogada e que sou detentor de um saber cada vez mais inútil (o de saber ensinar), que pretendo eu fazer?

Não quero a vida esgotante que tenho levado. Quero aproveitar mais e melhor. Afinal vivo no Algarve e pouco tenho aproveitado disso. Apetece-me gozar um pouco a vida. E quero também uma vida que me realize profissionalmente em todas as suas dimensões. Ainda.

A morte dura tanto tempo...

sábado, junho 19, 2010

Pombos

(...) Os próprios homens quase não têm fala, mas os seus olhos queimam como duas pedras expostas ao sol durante milhares de dias. Só eles afirmam que nem tudo no Alentejo nasce e morre acachapado à terra. Eles, e uns pombos bravos que subitamente rasgam o céu, como quem foge ao áspero, ardido, amargo coração do meu país.
(...)

(o destacado é meu)

Eugénio de Andrade, Uma grande, imensa fidelidade, Os Afluentes do Silêncio.


À minha frente, a um quarteirão de distância, encontra-se um pombal construído na açoteia de uma casa.
Nele dá-se um ritual diário que me tem fascinado ao longo dos últimos meses.
Todas as manhãs um homem sobe até ao pombal e começa por hastear uma bandeira de Portugal, ao que se segue a saída dos pombos em revoada.
Os pombos nunca voam para longe. Andam em círculos sobre a vizinhança ou, no máximo, fazem uns oitos. Isto durante alguns minutos.
Depois, o homem, saindo da sua imobilidade, arreia a bandeira, leva um apito aos lábios e chama-os com uns assobios curtos e contínuos. Os pombos vão pousando no pombal e vão entrando na sua gaiola, sem o homem precisar sequer de se mover.

Os pombos domésticos têm uma vida segura, têm comida a horas certas, têm um abrigo sólido? Têm.

Eu gostaria de ser pombo doméstico? Não.

sexta-feira, junho 18, 2010

José Saramago


Dói.
Uma voz nunca resignada, uma postura incorruptível, um artista no mais nobre sentido da palavra.
Lançado para "o silêncio sem fim".
Não sei se a morte é sempre injusta. Mas com José Saramago é-o para além de qualquer dúvida.
Resta-nos honrar a sua memória com a nossa revolta e a nossa fidelidade.

(foto retirada daqui)

quarta-feira, junho 16, 2010

Exame de Língua Portuguesa... e não só

Hoje foi o exame de Língua Portuguesa.
Desde há pouco mais de uma semana que este exame também passou a fazer parte das minhas preocupações.
A professora de Português foi despedida (por razões que não vêm aqui ao caso), tendo os alunos e respectivos pais pedido para que eu ficasse responsável também pela preparação para este exame (a verdade é que começou a espalhar-se no centro que eu seria uma espécie de taumaturgo dos aflitos, fosse qual fosse a disciplina, o que é um absurdo).

Interessa-me, no entanto, abordar aqui o seguinte:
É dificil fazer uma comparação entre as diferentes disciplinas que fazem parte do currículo do ensino básico e secundário. É difícil, mas possível para quem tenha leccionado ou apoiado alunos a todas aquelas disciplinas. Tirando as Ciências Físico-Químicas, eu estou nessa situação: sem experiência anterior nenhuma tive, este ano, que preparar explicações e apoios a quase todas as disciplinas.
E a verdade é que, na minha opinião, há um grande fosso entre a Matemática (e, possivelmente, as Físico-Químicas, não sei) e as restantes disciplinas, incluindo a Língua Portuguesa, que são muito mais fáceis do que aquela.
Fáceis quer em termos de conteúdos, quer também em termos do que é exigido aos alunos, quer ainda em termos do trabalho necessário para as ensinar.
Em suma, a minha sensibilidade é que o grau de dificuldade dos actuais currículos de Matemática não tem paralelo com o dos de qualquer outra disciplina (com a possível excepção das CFQ, como já referi anteriormente).

sábado, maio 29, 2010

Vergílio Ferreira...

“Amor de Perdição” de Camilo Castelo-Branco, “Aparição” de Vergílio Ferreira, “Dom Casmurro” de Machado Assis, “O Delfim” de José Cardoso Pires, “Esteiros” de Soeiro Pereira Gomes, “Memorial do Convento” de José Saramago”, “Os Maias” de Eça de Queiroz, “A Sibila” de Agustina Bessa-Luís, “Sinais de Fogo” de Jorge de Sena e “Terra Sonâmbula” de Mia Couto são os 10 romances eleitos.

A escolha foi efectuada por um júri constituído por escritores e por docentes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que elegeu uma dezena como os romances mais representativos da literatura de língua portuguesa, de entre as 30 obras mais votadas por docentes, estudantes e funcionários da Universidade. Depois da votação de docentes, funcionários e estudantes da Universidade de Coimbra, um júri escolheu, de entre as 30 obras mais votadas, a lista dos “10 mais” romances da literatura portuguesa.

Numa primeira fase do concurso “10 Paixões em Forma de Romance”, que foi promovido pela Imprensa da Universidade de Coimbra, todos os membros da comunidade universitária puderam designar os três romances que mais gostaram de ler.

Depois de apurados os 30 romances mais votados, o júri composto pela vice-reitora da Universidade de Coimbra, Cristina Robalo Cordeiro, pelos escritores José Luís Peixoto e João Tordo, pelos professores da FLUC José Cardoso Bernardes (coordenador do Centro de Literatura Portuguesa da FLUC), Maria Aparecida Ribeiro (docente de Literatura Brasileira) e José Luís Pires Laranjeira (docente de Literatura Africana) e presidido pelo director da Imprensa da Universidade, João Gouveia Monteiro, reuniu dia 20 para eleger os “10 mais”.

Para chegar a esta lista final, o júri teve em conta a diversidade e representatividade de diferentes épocas, correntes, geografia e géneros, bem como a expressão da vontade dos votantes.

O objectivo deste concurso foi tomar esta escolha como um pretexto para falar de livros e de boa literatura, na sequência de outras iniciativas levadas a cabo pela Imprensa da Universidade de Coimbra. Ao longo do ano lectivo 2010/2011, a Imprensa da Universidade de Coimbra, em parceria com a Biblioteca Geral e o Centro de Literatura Portuguesa da FLUC, irá promover diversos eventos sobre as 10 obras vencedoras, nomeadamente exposições e tertúlias.


(via De Rerum Natura)



Vergílio Ferreira iria comover-se com isto... eu comovi-me!

sexta-feira, maio 28, 2010

Ainda e, agora, sempre Os Maias

Romance fabuloso! De uma inteligência extraordinária!
Tanta coisa de que eu gostaria de falar, de discutir, de partilhar... acho, pelo menos, que consegui "infectar" os meus alunos com o meu entusiasmo.

É tão fácil começarmos por nos identificar com Carlos da Maia, embora sempre, admitamo-lo, com um certo sorriso. Mas ele é o herói do livro, no fim de contas.
Só que Eça é um perverso e põe-lhe todos os defeitos dos portugueses, açucarados pelo charme, pela beleza e pela fortuna, facilitando essa nossa identificação com ele... até que aqueles começam a ser tão evidentes que começamos a sentirmo-nos desconfortáveis por esta ligação emocional que estabelecemos com Carlos.
No fundo, Carlos é um inútil, um fraco, um indolente. O retrato feito por Afonso da Maia é curto e exacto: "O velho escutava com melancolia estas palavras do neto, em que sentia como uma decomposição da vontade, e que lhe pareciam ser apenas a glorificação da sua inércia. (...)" (Cap. XII).
Mas até o próprio Afonso da Maia, tirando a sua bondade, nada faz nem fez de significativo. Ele é bem um Maia que, por via de princípios de que não abdica facilmente (agora na velhice, porque na sua juventude não teve problemas com isso) e que lhe dão uma certa forma de integridade, parece ter mais substância do que Carlos, mas de facto não tem.

De todos os defeitos expostos por Eça aos nossos olhos, do Carlos (e de quase todas as outras personagens), o que mais me impressionou foi o medo. Um medo que se traduzia por uma insidiosa cobardia nas situações que exigiam na verdade um esforço para poder manter o respeito por si próprio. Carlos é lamentavelmente falho desse tipo de esforço. A cobardia é nele uma doença, tanto mais terrível quanto nunca o aparenta ser; e ele chega ao fim sem nunca perceber o quão baixo se permitiu deixar ir.

Há, no entanto, duas personagens que escapam a este retrato impiedoso. Um em tom menor: Vilaça que, não fora a sua tacanhez, poderia vir tornar-se uma personagem digna de admiração.

Mas em tom maior, grandioso mesmo, sem dúvida alguma, é a Maria Eduarda: faz o que tem de fazer, com nobreza, discretamente e sem dramas nenhuns. E acaba com um gesto verdadeirante grandioso: recusa receber o que quer que seja da herança à qual, aliás, tem todo o direito legal e moral, pois ela é uma filha legítima e de direito de Pedro da Maia. É uma personagem verdadeiramente admirável, sem nunca deixar de ser humana, no meio de um friso mais ou menos repulsivo de entes cheios de empáfia, mas realmente sem qualidade alguma.

terça-feira, maio 11, 2010

Os Maias e... para memória futura

No centro de explicações onde trabalho, os principais critérios de avaliação do desempenho são dois:
- obter resultados;
- os pais e explicandos gostarem de nós.
Falhando num destes critérios, o explicando é-nos retirado e mudado para outro professor. Falhando nos dois é o professor que é "retirado".
Desde o início do ano que só "sobrevivemos" dois professores: o de Físico-Químicas e eu, o resto entra e sai, com a maior ou menor das velocidades.
A mim vão-me carregando mais e mais. Neste momento dou explicações de:
- 1º ciclo: todas as disciplinas;
- 2º ciclo: todas as disciplinas;
- 3º ciclo: todas as disciplinas, excepto Português e Físico-Químicas;
- Secundário: Matemática, Inglês e Português.
Acho que a directora está a testar-me, para saber onde e quando vou atingir o meu nível de incompetência!...

No âmbito do Português, ando a reler Os Maias. Que livro maravilhoso, que riqueza em todos, mas mesmo quase todos os sentidos! Exaspero-me com a minha incapacidade para transmitir este maravilhamento aos meus alunos, simpáticos, mas enfastiados e preguiçosos que eles são!
Vim escrever este post quando, ao lê-lo, cheguei a esta parte:

"(...) Craft e o marquês tinham começado uma conversa sobre a vida, soturna e desconsoladora. De que servia viver, dizia Craft, não se sendo um Livingstone ou um Bismarck?" (Cap. IX, p. 290 da minha edição dos "Livros do Brasil")

Muitas vezes me tenho perguntado sinceramente o mesmo. Além disso, como é possível eu conseguir conviver com a ideia da minha banalidade, senão mesmo mediocridade? Como consigo conciliar os meus sonhos de grandeza, a minha ânsia de absoluto, com o pouquíssimo que até agora consegui realizar? Mal, muito mal. Nada há de heróico na minha vida, por muito que eu o desejasse. Nada há que possa ser recordado 10 ou 20 anos depois de eu morrer. E é assim que acabo por não saber responder à pergunta de Craft/Eça...

sexta-feira, abril 23, 2010

25 de Abril - Um post amargo

Há 36 anos começava um periodo da vida do país durante o qual a maioria dos portugueses pôde acreditar que todos os sonhos eram possíveis. Tanta loucura que foi imaginada, que foi feita, e a maior parte até que foi bem intencionada!
A partir de Novembro de 75 os portugueses foram acusados de tudo e de mais alguma coisa, em particular de terem delapidado as finanças públicas, pondo o país "de tanga"... Soa a familiar? Pois soa. E agora, quem são os responsáveis? E por que miserável incompetência é que nos arrastaram até aqui, principalmente depois de anos e anos a imporem-nos sacrifícios, a atiçarem ódios, a promoverem mais e mais corrupção?

Eu não consigo ver filmes, nem documentários, nem ler coisas sobre o 25 de Abril. Porquê? Simplesmente, porque começo a chorar. A chorar, tomado por uma tristeza sem fundo. Mas mais: sinto uma raiva e um desprezo infinitamente desesperados contra toda aquela gente que não contente em matar o 25 de Abril, matou os sonhos que ali nasceram e, ainda não satisfeitos com isso, mataram também toda a esperança numa vida melhor. Raiva e desprezo sem fim.

quarta-feira, abril 21, 2010

Estes doentes que nos governam...

... era o título de um livro de Pierre Accoce e Pierre Rentchnick, da década de 70.

(Este post foi-me inspirado por uma crónica de Guilherme Valente saído no Público, de que tomei conhecimento no blog De Rerum Natura, donde tiro parte das citações. E que me fez recordar o título qe escolhi para aqui. A propósio do suicídio do professor Luís e das situações de bullying nas escolas.)

«Temos de nos esforçar para que estas situações possam ser ultrapassadas. Tratam-se de jovens que são na sua generalidade bons alunos e que não podem transportar na sua vida uma situação de culpa que os pode vir a condicionar pela negativa», afirmou José Joaquim Leitão, director regional de educação de Lisboa.

Arno Gruen (A Loucura da Normalidade e a Traição do Eu, ed. Assírio e Alvim) chamava a atenção para esta estranha e malfadada perversão que leva pessoas ditas "normais" e "inteligentes" a porem-se do lado dos agressores, a desculpá-los de tudo e a ter pena deles. E, além disso, a achar que eles é que são vítimas e não os que são torturados por eles.

José Joaquim Leitão disse que «é do conhecimento público» que o docente apresentava uma «fragilidade psicológica já desde há muito tempo».

Portanto, trata-se aqui até de uma completa incapacidade para identificar as verdadeiras vítimas. Mas há mais. De Daniel Sampaio:

«É que há em todas as escolas comportamentos que podem ser considerados violentos, mas que não são bullying. A escola reproduz a sociedade e esta não é serena, por isso são frequentes as piadas, as troças e até um insulto passageiro ou um empurrão, sem que isso seja muito grave.»

Como se vê, estas mesmas pessoas revelam também uma total incapacidade para empatizarem com as vítimas e os desprotegidos, esquecendo-se sempre que estes é que verdadeiramente precisam de defesa, de protecção e de segurança. Ainda Daniel Sampaio:

«Querer uma escola controlada pela polícia em que ninguém possa desobedecer ou contestar as regras, é acabar de vez com esse território de liberdade segura que caracteriza o nosso sistema educativo (…)».

Faltando-lhes a "lata" para defenderem abertamente os agressores, pugnam pela manutenção das condições necessárias para que estes continuem, impunes e à vontade, a maltratar os mais fracos.

É esta gente, profundamente doente, mas que, pelo seu número e pelo seu poder para se fazerem ouvir vezes sem conta, parece normal, é esta gente, repito, que tem ocupado o poder nos últimos anos.

Infelizmente para tantos e tantos miúdos...

domingo, abril 18, 2010

Post rápido: educação, sempre o mesmo tema! Irra, que já chateia!

No meio de imenso trabalho, arranjo aqui um pequeno intervalo só para não deixar isto abandonado e parado.

Mais uma vez, só me ocorre falar de educação (isto quando não penso na situação catastrófica para a qual o actual chefe do governo arrastou o nosso país). Nem sei para quê! As decisões foram tomadas, o comboio posto em movimento e já não acredito que alguém o consiga parar.

Leio sobre professores afastados por exigirem que os alunos aprendam, assisto ao ar de gozo dos alunos a falarem dos professores que facilitam tudo e dão altas notas (não, não estou a falar só da escola, mas também da universidade, pois o vírus já aí chegou; sim, estou a falar da universidade pública, pois também aí isto já acontece), testemunho a qualidade decrescente dos profissonais que o sistema educativo atrai para si, e, com tudo isto, uma tristeza sem fim toma conta de mim.

Pronto, já desabafei. Sem alívio, claro. E volto para o trabalho!

segunda-feira, abril 12, 2010

O medo da morte

"Eu não me sinto nada velho(a), sei que tenho ainda muito para fazer e viver", ou "Não sinto a idade que tenho", frases comuns, banais em pessoas a partir de uma certa idade.
Eu também as ouço e apercebo-me que, subjacente, está o medo da morte ou de uma doença incapacitante. Não me identifico com isto, aliás nunca as digo. A morte causa-me realmente pavor, mas é a dos outros, não a minha. Por causa da perda que representa essa morte, sinto na carne o que será a falta dessas pessoas, a sua ausência. Agora, a minha...

Na verdade, acho que sei o que poderei sentir quando a minha morte começar a ficar gritantemente próxima.
Nunca tinha vivido sozinho até me separar. Nos primeiros tempos isso não me trouxe qualquer problema porque trabalhava o dia todo na escola (em Loures) e, ao fim da tarde, levava o meu filho à natação ou à música, chegando a casa (na Costa da Caparica) pelas 8 ou 9 da noite. O fim de semana passava-o com a minha família. Não dava para me sentir só, apenas me sentia liberto de um pesadelo.
Mas, na semana entre o Natal e o Ano Novo, o caso passou a ser outro muito diferente: o isolamento total caiu sobre mim. Sem escola, sem o meu filho, os amigos e familiares a trabalharem ou de férias longe (só começaria a namorar alguns tempos depois)... e, ainda por cima adoeço!
Tratou-se de uma simples gripe, mas foi o bastante para eu ser tomado de uma angústia enorme: cheio de febre, a ter de fazer compras e a comida para me alimentar, ter de ir à farmácia para comprar medicamentos, a pensar como conseguiria ir sozinho ao centro de saúde se as coisas piorassem, sem saber a quem podia recorrer numa emergência, tudo isso deu origem a que, num desses dias em particular, fosse invadido por uma sensação verdadeiramente horrível sobre a qual perdi todo o controlo. Soube mais tarde que tinha sido vítima de um ataque de pânico.
Fosse o que fosse, a verdade é que nunca mais esquecerei esse dia terrível por que passei.
Isto para dizer que, na pior das hipóteses, será assim, penso eu, com um pânico e uma solidão semelhantes, que provavelmente me aproximarei da morte. Portanto, apesar de ser ateu e de não acreditar em vidas para além da morte, encaro esta com distância mas também com aceitação.

Agora a morte dos outros, é que não, de todo: não consigo, nem nunca conseguirei encará-la com naturalidade, seja na vida real, nos livros ou nos filmes. Revolta-me sempre a sua existência e apavora-me, profundamente, a sua cegueira e inevitabilidade.

sábado, março 27, 2010

O dia antes da felicidade, de Erri De Luca

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.

Hoje, venho dar testemunho de um escritor extraordinário...



Erri de Luca

... e de um livro extraordinário:



Como é possível condensar em exactamente 97 páginas tanta sabedoria, tanta beleza, tanta inteligência, tanta sensibilidade, tanto humor!!

Mas que romance é este? Uma tentativa de resposta:

Um dia antes da felicidade é um livro sobre o crescimento, isto é, da verdadeira e autêntica aprendizagem, daquela que conduz à transformação de um adolescente normal, igual a tantos outros, num ser humano mais elevado, melhor e mais forte.

Mas é também um romance sobre a felicidade, claro. E sobre esse milagre que são os livros e a cultura. E sobre a sensibilidade e a delicadeza. E sobre a amizade. E sobre a violência. E sobre a pobreza. E sobre tantas, tantas outras coisas!

Trata-se de um livro claramente masculino, isto é, quem o escreve é um homem, não há aqui uma escrita feminizada, antes uma escrita senhorial, de uma extrema nobreza e autenticidade. Num tempo em que é tão difícil saber-se o que é ser um homem, este livro constitui uma resposta clara e verdadeira a essa questão.

Lêmo-lo e mergulhamos no mundo puro e deslumbrante das palavras de Erri De Luca. O narrador é um jovem com um olhar límpido e franco sobre a realidade que o rodeia. É alguém a quem surge um mestre, Dom Gaetano, que, longe de ensinar o desencanto e a amargura, lhe mostra o que é ser um homem, verdadeiro, bom e lutador.

Erri De Luca usa uma escrita que ilumina tudo aquilo sobre que se debruça: as pessoas (com as suas pequenas e grandes misérias), os livros, a escola, o amor, a cidade de Nápoles, etc.

A dada altura (p.66), Dom Gaetano e o jovem narrador passeiam pela cidade e cruzam-se com um grupo de marinheiros norte-americanos que corriam com "camisola, calções e sapatilhas". Não percebem. Porque, diz, "Correr, para nós, é um verbo sério". E é exactamente isto que escrever é para Eri De Luca: um verbo sério. Em todos os momentos, mesmo os de humor (sempre intenso e inteligente, como em tudo o resto), tudo está lá por um motivo sério. Não há ali nada de supérfluo, de fútil. Tal como em outros livros deste autor. Mas, aqui, neste, levado a um grau extremo, quase doloroso.

Sim, já há uns anos que venho lendo com paixão os livros de Erri De Luca. Aliás, este livro fo uma sugestão minha para o Clube de Leitura (ainda não o tinha lido). E, na noite de 5ª feira, em Loulé, quase 20 pessoas perderam-se, durante horas, a falar desta obra, com emoção e fascínio. Eu...

... Eu suspeito que encontrei aqui o meu livro perfeito. Aquele pelo qual todo o leitor apaixonadamente compulsivo é capaz de lutar uma vida inteira para encontrar.



Aqui e aqui podem encontrar-se as palavras de Erri De Luca, de quando esteve recentemente em Portugal.